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“A Mapfre é uma empresa cada vez mais global”

A empresa é cada vez mais global e temos a necessidade de nos apoiarmos no conhecimento de brokers locais, que podem ter menor dimensão, mas que são muito importantes para o negócio internacional.

“A Mapfre é uma empresa cada vez mais global”
Dois especialistas em seguros sentam-se frente a frente. O tema é o setor, mas a conversa vai bem mais além: da crise à importância da internacionalização, tudo esteve em debate na entrevista conduzida por Steve Jackson, Managing Director da Cooper Gay, com responsabilidade para a América Latina e membro do Board da BrokersLink.

Steve Jackson vestiu, pela primeira vez, a pele de jornalista a pedido da MDS e conversou com Alfredo Castelo, Administrador Delegado da Mapfre Global Risks (MGR), Presidente da Mapfre Caución Y Crédito, a filial especializada na gestão dos negócios de Caução e Crédito, e Director Geral da Mapfre Internacional.

Recentemente foi nomeado Vice-Presidente Terceiro da Divisão de Negócios Globais da Mapfre. Alfredo Castelo, 43 anos, está na Mapfre há seis anos e é com entusiasmo que encara o futuro do Grupo e o seu posicionamento cada vez mais global. A conversa entre os dois especialistas foi marcada sobretudo pela importância da América Latina, um mercado que apaixona estes dois homens dedicados ao setor segurador.


Para mim é uma novidade estar no papel de jornalista. Vamos começar pelo início. Tem muita experiência no setor de seguros. Pode partilhar a sua visão sobre quais são os principais temas hoje e quais serão no futuro? 
É preciso separar os temas porque existe o mercado de seguros para particulares e o de seguros para empresas. Em Espanha vemos que no sector automóvel o mercado está muito competitivo devido à crise. O seguro para particulares é muito sensível ao preço. No mercado empresarial temos pela frente um grande caminho e os estudos que estão a ser feitos mostram que a indústria seguradora vai ter de fortalecer os seus balanços devido ao projeto Solvência II, o que levará ao aumento dos custos próprios, com repercussão final no preço. Uma área de negócio que foi muito afetada pela crise é a dos seguros de crédito. Na nossa filial que gere esta área, sentimos sem dúvida que o sector endureceu muito e as renovações fizeram- se com grandes aumentos de taxas, mas foi uma subida que durou pouco, foi muito específica.


A indústria de seguros saiu muito bem da crise embora as contas tenham sido muito afetadas... 
Sim, mas por causa dos investimentos financeiros importantes que foram feitos. Aqui, as empresas com políticas conservadoras de investimento viram as suas posições reforçadas e o Grupo Mapfre está claramente numa posição privilegiada. É muito importante uma análise detalhada dos riscos.


Ainda falando em termos de indústria seguradora em geral, este é um sector em que é difícil captar bons recursos humanos ou há muitos talentos disponíveis no mercado?
Nós estamos a reforçar a estrutura e as equipas. O ativo mais importante que temos são os recursos humanos. Cultivamos muito o talento dentro da empresa, temos esse hábito de ir buscar o talento internamente e apostar nas promoções. Mas as coisas estão a mudar, a Mapfre é cada vez mais global e por isso também precisamos de contratar pessoas fora do Grupo. Não temos um grande número de candidatos...
O setor segurador não se sabe "vender bem” como a banca, e isso tem implicações na atracão de talento. Esta é uma indústria que tem muito potencial e futuro mas não é vendida como algo muito atrativo e excitante. Porém, a situação está a mudar e estou convencido que, no futuro, seremos capazes de atrair cada vez mais talento para a indústria seguradora. 


De que forma podem as companhias de seguros retirar vantagem das revoluções tecnológicas?
Eu aqui diferenciaria mais uma vez o que é o segmento particular dos negócios corporativos. Nos seguros para particulares penso que isso é uma realidade. Os hábitos de compra mudaram muito. Nos EUA e Reino Unido a percentagem de seguros automóvel que se fazem através da Internet ou telefone já supera a venda tradicional através dos agentes e isso é algo que se vai estender por todo o mundo, mais cedo ou mais tarde.
A relevância das redes sociais, como o Facebook, também já começa a levar as companhias de seguros a apostar nestas novas formas de comunicação, e isto é algo que teremos de analisar e aproveitar, porque poderá vir a ser um canal de captação de negócio importante.


Considera que terá impactos também ao nível da redução dos custos?
É uma infraestrutura muito importante que pode ser muito competitiva a nível de custos, mas é verdade que também é preciso investir muito mais em publicidade e em sistemas de informação. Agora, se olharmos para o segmento empresarial, então também temos que saber usar esta oportunidade, porque é uma forma de estar mais perto do cliente.
E temos de trabalhar para encontrar a melhor forma de aproveitar esta revolução tecnológica. Através da nossa página Web podemos ter contacto direto com o cliente, oferecer-lhe serviços... estar em comunicação com os corretores... Por exemplo, no portal da Mapfre para corretores, estes têm toda a informação disponível relativa aos produtos e ao processo de contratação e isso facilita-lhes a tarefa de venda. O uso eficiente da Internet para melhorar a comunicação com clientes e intermediários torna alguns processos mais ágeis o que naturalmente têm uma repercussão na redução de custos.


Falando da MGR, como surgiu este projeto? 
A Mapfre sempre se caracterizou pela sua especialização. Se olharmos para a estrutura da empresa há seis anos podíamos ter dez ou onze companhias de seguros em Espanha porque cada uma delas fazia o seu negócio. Isso para mim era uma das vantagens da Mapfre: ser muito especializada. Mas as coisas mudam e a tecnologia também permite-nos mudar. E então, foi em 2004 que a Mapfre decidiu criar uma unidade especializada em empresas.
Criámos uma empresa que vendia seguros para o segmento corporate, a Mapfre Industrial, e outra especializada em seguros de caução e crédito, a Mapfre Caución y Crédito.
Integrámos ambas e criámos aquilo a que chamámos naquela altura a unidade de empresas. Isto coincidiu com o momento em que estávamos a fazer uma reestruturação do Grupo e em que a Mapfre comprou a Musini, uma empresa estatal que se encarregava de tudo o que dizia respeito a empresas públicas, hoje público-privadas, a maioria já privatizadas. Essa empresa tinha uma grande experiência no que dizia respeito aos grandes riscos corporativos espanhóis. E bom, foi o casamento perfeito. A Musini também passou a incorporar esta unidade.
Passaram dois ou três anos e o foco da empresa era o cliente espanhol e os seus interesses no estrangeiro. Em 2006, 2007, tínhamos como referência o Ibex 35, onde se cotam as 35 empresas espanholas mais importantes e a Mapfre tinha 27 destas como clientes. Portanto, a quota de mercado em Espanha era já muito importante e tínhamos de começar a abrir para outros mercados, para ir ganhando a dimensão que era necessária para um projeto destes, e para manter o crescimento.


Seguindo os clientes... 
Claro. Tratávamos dos interesses dos clientes espanhóis em Espanha e fora de Espanha. Queríamos abrir-nos à Europa e criámos três escritórios de representação. O primeiro foi em Londres, depois em Paris e o terceiro em Colónia, na Alemanha. O objetivo destes escritórios... bem, a Mapfre é uma empresa prudente nos seus desenvolvimentos… O objetivo era começar a conhecer os riscos fora do mercado espanhol.
Enquanto em Espanha o nosso objetivo era assumirmos uma posição de liderança nos programas em que participamos, nos outros países europeus assumíamos uma posição menos aguerrida, seguindo por vezes os termos ditados pelo segurador e líder destes programas. A verdade é que o desenvolvimento na Europa foi um êxito. Este ano, depois de três anos, vamos fechar as contas com mais de 70 milhões de euros gerados nestas unidades.


Incluindo na Alemanha? É um mercado muito fechado…
A estratégia que seguimos foi prudente. Colocámos profissionais de referência nos respetivos mercados a liderar os nossos escritórios. Contratámos pessoas muito respeitadas que, sabíamos, podiam gerir o negócio como pretendíamos. A experiência destes profissionais abriu-nos assim as portas aos programas internacionais.
No final de 2008 acontece uma alteração que marca o antes e o depois da MGR. Até então a empresa estava integrada no «negócio doméstico» da Mapfre e naquele ano dá o salto para a parte internacional. Incorporámos a MGR na divisão de seguros internacional para começar a replicar o modelo de Espanha no resto dos países. Em 2009 fez-se essa alteração e começámos a operar no México, Colômbia, Brasil, Chile e Argentina.


E Portugal?
Com a abertura na Europa, quisemos também desenvolver a nossa atividade em Portugal, onde operamos através da Mapfre Seguros Gerais. Esta empresa desenvolve a atividade comercial e, quando angaria um cliente, envia-nos a informação para que em Espanha possamos fazer a subscrição.


Neste sentido opera como a do Reino Unido?
É exatamente igual. A diferença é que os escritórios da Europa são escritórios de representação e aqui, tendo em consideração que o negócio global tem margens muito pequenas, evitamos duplicações e por isso aproveitamos as estruturas das Mapfre locais para o desenvolvimento do negócio. Esta estratégia dá-nos uma maior dimensão e diversificação geográfica, que é muito importante porque assim ganhamos mais capacidade, que é um aspeto a que os nossos clientes dão valor.
Em 2010 decidimos dar mais um passo e começámos a operar em todos os países onde a Mapfre tem operações de seguro direto.
Estamos presentes em 24 mercados. O único onde inicialmente não avançámos foi o mercado norte-americano. Neste, a Mapfre comprou há cerca de três anos uma empresa e está em processo de reestruturação e implementação da cultura da Mapfre.
Pretendemos que esta empresa, dentro de dois a três anos, possa ser responsável pelo desenvolvimento do nosso negócio nos Estados Unidos. Internamente, estamos a trabalhar no que chamamos o Plano USA para, numa primeira fase, atendermos às necessidades dos nossos clientes naquele país e, mais tarde, termos clientes globais americanos. 


E o resto da estrutura?
A Mapfre acaba de fazer uma reestruturação muito importante de onde a MGR saiu reforçada. A Mapfre passa a ser uma multinacional com sede em Espanha, que passa assim a ser mais um dos mercados onde a Mapfre opera e que, pela sua dimensão, tem uma extrema relevância. A Mapfre está estruturada em três grandes divisões de negócio. A primeira é Espanha, com o Seguro Directo. A segunda é o Seguro Directo Internacional e a terceira, os Riscos Globais.
A MGR passa a enquadrar-se dentro desta terceira e destaca-se pelo seu carácter estratégico. Passa portanto a ser a ferramenta através da qual a Mapfre quer desenvolver os negócios globais, contribuindo para que se torne, de facto, num player global.
Estamos muito satisfeitos com o desenvolvimento atual do projeto. A subscrição está centralizada em Espanha, enquanto a gestão comercial, muito ativa, é feita através das estruturas da Mapfre nesses países. Ou seja, a captação de negócio é feita por equipas nas empresas locais, com pessoas mais ligadas a riscos corporativos e que podem, por exemplo, identificar oportunidades relacionadas com as necessidades dos colaboradores ou com as frotas de automóvel das empresas clientes.
Evita-se assim duplicar a estrutura e abre-se a oportunidade de captação de novos negócios. Mas a subscrição centralizada poderá ter que ser aos poucos descentralizada para que nos possamos desenvolver. Aos poucos teremos de transferir autonomia para estas empresas locais, porque não queremos que tudo se decida em Espanha.


Qual a importância dos brokers no êxito da MGR? 
Os brokers têm um papel fundamental. O valor acrescentado que um broker profissional traz ao cliente é essencial. Na MGR em concreto quase 100% do negócio é intermediado por brokers, e não me refiro apenas às grandes multinacionais de corretagem.
A empresa é cada vez mais global e temos a necessidade de nos apoiarmos no conhecimento de brokers locais, que podem ter menor dimensão, mas que são muito importantes para o negócio internacional. Neste contexto, acho que merece todo o destaque a iniciativa do José Manuel Fonseca [de criar a Brokerslink]. É uma ideia magnífi ca para responder às necessidades dos clientes. Para nós faz todo o sentido apoiarmo-nos neste tipo de estruturas.


Falámos da América Latina, Europa e Estados Unidos. E na Ásia? Como é o futuro da Mapfre nesse mercado?
Estamos a operar exclusivamente nas Filipinas. Temos uma empresa de seguro direto. A atividade ainda não é muito significativa. Mas é um mercado que tem um potencial de desenvolvimento muito importante. O que estamos a fazer é a prestar serviços aos nossos clientes na Ásia. Usamos empresas locais para prestar os serviços, mas comercialmente ainda não estamos ativos nessa região. A nossa estratégia passa por avançar pouco a pouco, já que entrar em muitos mercados, muito rapidamente, traz grandes riscos. A Ásia é um mercado muito diferente e mesmo dentro desta região os vários países são também, entre eles, muito diferentes.

A liderança na América Latina

O projeto MGR é jovem, arrancou bem mas o grande objetivo foi ser o número um na América Latina, onde já estão em 18 países. Como se alcançou essa posição? 
A Mapfre América não está sob a minha responsabilidade mas tenho contactos com o responsável. Nasceu no início dos anos 80 da visão da Mapfre em internacionalizar-se e apostar na América Latina devido à proximidade da língua e da cultura. Inicialmente as operações nesta região encontraram alguns obstáculos devido à diversidade dos países, às diferentes circunstâncias de cada um e às diferentes moedas em que se opera. A aposta na América Latina está agora a dar seus frutos com crescimentos de prémios de 20% e de resultado antes de impostos de 51% em 2010. 


Com cinco mil milhões de euros em 20 anos..
Sim, e essa presença ainda se vai consolidar mais. Este ano a Mapfre comprou 65% do Grupo Mundial, que tem presença em cinco países da América Latina e fez também um acordo com o Banco do Brasil, que assenta na distribuição de seguros através da sua rede. Por isso a liderança da América Latina vai-se consolidar. 


Para a MGR quais foram os três países mais importantes? 
Espanha é o mais importante mas vai perdendo peso. E temos muitas expectativas quanto ao Brasil. Temos outro mercado que está muito ativo, que é o da Colômbia. E ainda o México, o Chile e a Argentina. Estes são os cinco países que marcam a nossa preferência e em relação aos quais temos grandes expectativas.


Quais as principais diferenças entre o mercado espanhol e o mercado sul-americano? 
É claro que há diferenças, apesar de, neste mundo global, cada vez nos parecermos mais. Um dos três aspetos fundamentais neste mercado [América Latina] prende-se com a capacidade à disposição das empresas locais. Têm muito menos capacidade do que as empresas espanholas, que têm que ir a outros mercados, nomeadamente ao de Londres, para a obter.
Outra diferença é que a ideia de fazer programas internacionais começa agora a estar mais presente na América Latina (em Espanha já está). Trata-se de uma oportunidade muito importante porque nos permite por um lado acrescentar valor e por outro, simplifica muito os processos. O uso de cativas está também mais desenvolvido em Espanha do que na América Latina. Isto representa também uma oportunidade pois o uso de cativas é bom para os seguradores na medida em que o cliente assume parte do risco


Dentro da América Latina também sentem diferença quando comparam o mercado brasileiro com aqueles onde prevaleceu a influência cultural espanhola?
Há naturalmente diferenças culturais, mas isto não se passa apenas entre a Argentina e o Brasil, entre a Argentina e o México também acontece. O peso do Brasil na América Latina é muito importante e é um mercado que tem as suas particularidades. Esteve muito regulado e agora está a abrir-se mais. A nossa resseguradora Mapfre Re está licenciada como resseguradora local, assumindo um compromisso claro no mercado brasileiro. A MGR também facilita a gestão. É um mercado que tem as suas especificidades, sem dúvida, mas onde a Mapfre aposta muito e onde tem grandes expectativas de desenvolvimento.


Mas consideram-no parte da América Latina?
Há empresas que tratam o Brasil como um mercado à parte…
É que a dimensão do mercado é imensa. A faturação da nova empresa que criámos pode chegar aos 3,5 mil milhões de euros. Não há empresas em Espanha que faturem tanto.


O homem para lá da Mapfre

Numa perspetiva mais pessoal, como vê o seu percurso na Mapfre? 
Estou na Mapfre há seis anos e estou muito satisfeito. Foi um caminho contínuo. Tive a oportunidade de assumir diferentes responsabilidades que contribuíram para o meu desenvolvimento profissional. Quando entrei na Mapfre propuseram-me que me dedicasse aos Seguros de Caução e Crédito. Foi um projeto muito importante, que se complicou com a crise económica.
Depois assumi a liderança da Mapfre Empresas em Espanha, a MGR e a Industriales. Isto foi muito importante porque tinha a visão global do que eram os negócios da empresa em Espanha.
A última mudança significativa foi quando assumi, em 2009, a função de Administrador-Delegado da MGR e também de Diretor Geral da Mapfre Internacional, a holding que supervisiona o desenvolvimento da Mapfre fora da América Latina e Espanha. Este é o meu trabalho, temos executivos a nível local, mas temos também uma função de supervisão que me tem mantido muito ocupado. Tem sido um projeto contínuo trabalhar num Grupo tão importante.


E quando não está trabalhar? Ou será que isto não é pergunta porque está sempre a trabalhar?
Se nos organizarmos há tempo para tudo. É preciso ter a força de vontade para cumprir o que fixámos como prioridades. Para mim o mais importante é a família. Dedico muito tempo à minha família e aos meus amigos. E depois, quando tenho tempo livre, gosto de desporto e pratico-o cada vez mais.


Gosta de competir no trabalho e no desporto?
Tenho tido rivais muito importantes (risos). Gosto muito de correr, faço-o praticamente todos os dias, às 6h30 da manhã. Vou correr no parque meia hora a quarenta minutos porque acho que é uma forma de começar o dia com mais energia. Gosto muito de vela, que pratico, e de golfe também. Mas o golfe requer muito tempo... Estas são as minhas três principais distrações, mas primeiro a família.


Que conselhos dá a quem está a dar os primeiros passos na indústria seguradora?
A atividade seguradora tem muitas áreas interessantes e eu acho que se deve procurar retirar prazer de tudo o que se faz, porque isso também nos anima. E trabalhar, trabalhar, trabalhar! É preciso saber conciliar a vida pessoal com a profissional, mas é importante trabalhar muito. E, claro, ter vontade de aprender e começar com humildade.