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A pirataria, um antigo mercado emergente

Trivia

A pirataria, um antigo mercado emergente
Os Maniates, um dos povos mais aguerridos da Grécia, considerados os descendentes dos Espartanos da antiguidade, adquiriram a reputação de piratas desde os alvores da Idade Moderna até pelo menos meados do Séc. XIX, justificando-se desta sua reputação por considerarem a pirataria uma legítima resposta ao facto de quererem arreigadamente preservar a sua soberania e os seus territórios serem pobres, especializando-se assim na pirataria como fonte principal de rendimento. Embora os principais alvos dos seus ataques fossem os Otomanos, os Maniates diversificaram os seus ataques à navegação de países da Cristandade. 

Na atualidade, em parte em resultado da globalização e do fim das hegemonias imperiais, a emergência de novos estados disfuncionais tem-se mostrado altamente favorável ao crescimento e diversificação da pirataria em todo o mundo, através do estabelecimento de bases logísticas de apoio e do aperfeiçoamento de verdadeiros modelos de negócio de elevada rentabilidade. 

O relatório de Julho de 2011 do International Maritime Bureau (IMB) refere que os atos de pirataria nos mares de todo o mundo estão a aumentar, mostrando-se os piratas fortemente armados, cada vez mais audaciosos e violentos. 

Do total de ataques, mais de metade foram realizados por piratas somalis, que vêm expandindo as suas áreas de atuação a zonas mais alargadas do Oceano Índico com ataques nas águas do Quénia, Tanzânia, Comores e Seychelles. 

Na costa Ocidental de África, ameaçando a navegação marítima da rota alternativa do Cabo, foram reportados ataques no Golfo da Guiné ao largo da Nigéria. No Extremo Oriente igualmente se registaram incidentes nos estreitos de Singapura, Malásia e Indonésia. 

Não se perspetiva um "cenário otimista”, que porventura resultaria da continuidade e/ou da viabilidade de soluções militares, quer a nível de presenças navais internacionais de persuasão e resgate, quer a nível político-militar de estabilização dos regimes dos países disfuncionais de acolhimento das bases logísticas de apoio, com o consequente restabelecimento das atividades económicas tradicionais de subsistência, entre as quais a pesca costeira em águas territoriais guarnecidas de meios de soberania próprios. 

Antevê-se sim um "cenário pessimista” de alastramento do fenómeno a outras regiões onde possam já estar a ser criadas redes de apoio étnico/ religiosas com fácil recrutamento na multidão de deserdados quer de África (Sariana e Subsariana) quer do Extremo e Médio Oriente, cujo fluxo de invasão pacífica/emigração clandestina para a Europa tem vindo crescentemente a ser contido. 

Neste contexto, no case study da Somália, consultores internacionais especializados na área da inteligência, baseados no conceito do custo de oportunidade, têm procedido a análises de custo beneficio da pirataria, estabelecendo uma "cadeia de valor de pirataria” ("Pirate Value Chain”) envolvendo os vários stakeholders intervenientes. 

Não só para o caso da Somália, mas também para a generalidade do mercado global da pirataria, para além dos piratas, e dos mais difíceis de identificar, autoridades, financeiros e promotores da pirataria, intervêm no mercado como stakeholders, os transportadores, onde se podem incluir os transportadores de resíduos tóxicos para depósito potencial em águas territoriais desprovidas de meios de soberania, e as frotas pesqueiras internacionais provenientes da Europa, Ásia e América dedicadas à pesca IUU ("ilegal, undeclared, unregulate”). Importa igualmente avaliar as taxas de retorno obtidas pelos restantes stakeholders dedicados à mitigação dos custos da pirataria, entre as quais, as seguradoras na adequação das taxas de risco e níveis de cobertura disponibilizados, as firmas de segurança privada na disponibilização de soluções de salvaguarda e na negociação de condições de resgate, e os fornecedores e fabricantes de tecnologias de prevenção & segurança. 

Com o crescimento da "oferta” decorrente da retoma do comércio e transporte marítimo e do alargamento do mercado através do acesso a novas áreas geográficas de atividade pirata, assim como da oportunidade de acesso às lucrativas atividades de pesca proibida e de depósito de lixos tóxicos por parte de operadores que crescentemente veem a sua atividade sancionada em águas soberanas ou internacionais por razões ambientais e de proteção da biodiversidade, prevê-se um aumento da "procura” através da entrada no mercado de novos piratas, encontrando-se assim criadas novas oportunidades para a pirataria com o consequente aumento de incidentes. 

Resta acrescentar que esta até agora lucrativa atividade, carece de mão-de-obra com crescente especialização, que, para além dos operacionais com treino militar e naval, envolve o necessário contributo de outros agentes estrategicamente colocados nas bolsas internacionais de comércio marítimo com acesso a informações privilegiadas de tráfego e de custos de mercadorias e de fretes, e de especialistas financeiros em mecanismos seguros de reciclagem de fundos para acesso aos mercados financeiros, reinvestindo os lucros obtidos e financiando as operações, como sejam o recrutamento e formação dos operacionais e a compra e manutenção de armamento e de embarcações. Contudo, esta mão-de-obra crescentemente especializada só se manterá disponível enquanto o risco/custo da oportunidade de ser pirata (morte, invalidez ou prisão) for inferior ao risco/custo da oportunidade de o não ser. 

Para avaliação e mitigação dos custos e riscos da pirataria, modelos de gestão de risco, onde se identifiquem os custos e benefícios dos vários stakeholders intervenientes na "cadeia de valor de pirataria”, permitirão determinar ações corretivas adequadas e eficientes, no pressuposto que exista capacidade e vontade dos Estados de Direito soberanos em pôr fim de forma eficaz a este lucrativo mercado emergente offshore, operado por stakeholders transnacionais, quer do lado da "procura”, quer do lado da "oferta”, onde predominam transportadores marítimos utilizando navios de bandeiras de conveniência, com tripulações multiétnicas e multinacionais, transportando cargas de propriedade, proveniência e destino, muitas vezes incertos, ou dedicando-se a lucrativas atividades ilegais de pesca, não declarada e desregulamentada, ou de transporte e depósito de lixos tóxicos. 

Por Pedro Castro Caldas, consultor de gestão de risco



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