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Gestão de Sinistros

Quando as dificuldades são inversamente proporcionais ao valor da indemnização

Gestão de Sinistros
Qual destas situações será mais fácil para um corretor? Lidar com um desastre natural ou gerir uma reação química?

No que toca a processos de sinistros, a primeira preocupação de um departamento de gestão de sinistros é avaliar em que medida o acidente está coberto pela apólice. 

Neste sentido, é fundamental identificar e definir a causa dos danos causados ao cliente. Se a causa do sinistro é de origem natural os contratos de seguro têm poucas exclusões.

Assim, importa identificar o Quantum (An), uma vez que o problema da cobertura do seguro é praticamente negligenciável. Se os danos provocados são de origem humana (por exemplo atos de má fé ou erros de construção), é mais provável que o evento não tenha cobertura no contrato, pois haverá um número significativamente superior de causas possíveis.

Neste caso, é fundamental identificar o An para determinar se o caso é passível de cobertura pela apólice. Para exemplificar este tema bastante complexo, iremos explicar como é que o departamento de gestão de sinistros da PCA lidou com duas situações bastante distintas. Uma primeira relacionada com danos patrimoniais e outra que diz respeito a um sinistro de engenharia. Em ambos a dificuldade na gestão dos casos revelou-se inversamente proporcional à indemnização acordada.


Menor indemnização/maior complexidade

Um sinistro de engenharia que se tornou um case study
Apresentamos de seguida um primeiro caso em que o processo de avaliação das causas do sinistro foi bastante complexo. O evento ocorreu num viaduto de uma autoestrada. O viaduto apresentava cinco vãos em betão pré- -esforçado, revestidos por caixilhos com braçadeiras de aço e placas de betão. Os cabos interiores embutidos na placa de cima eram compostos por 19 fios, os quais estavam inseridos em faixas de aço galvanizado e com enchimento de argamassa de cimento.

Os cabos externos eram compostos por 27 fios dentro de faixas de polietileno de alta densidade e também com enchimento de argamassa de cimento. Os fios (diâmetro 0,6 mm, secção 139) eram constituídos por 7 cabos de aço de carbono (C80D2) com uma garantia do mínimo ponto de rutura e tensão de stress de 1860 MPa e 1670 MPa respetivamente.

As tensões de stress eram de 1350 MPa no caso dos cabos exteriores e de 1419 MPa no caso dos cabos interiores e também no caso dos que estavam em contra peso para um dos lados. O enchimento de argamassa era à base de calcário de cimento de Portland, com um rácio de água para cimento de 0,32, acrescentando-se um aditivo específico numa dosagem de 6-7% na proporção da massa de cimento.

O enchimento das faixas exteriores dos cabos respeitou sempre o sentido do vão. A colocação dos cabos externos foi realizada em Abril de 2006, seguido do enchimento das faixas. A vida nominal de design do viaduto era de 100 anos.



O evento e a primeira intervenção do corretor 
Numa inspeção realizada ao interior do viaduto, em Julho de 2008, foi detetada uma rutura do cabo 32 esquerdo do vão. O empreiteiro, nosso cliente, contactou-nos no dia 09/07/2008, logo após a deteção da rutura.

Após uma investigação detalhada, o nosso cliente, juntamente com a nossa equipa técnica, concluiu que a rutura representava um perigo significativo para a estabilidade da estrutura. Para além disso, não se sabia a origem da rutura. Receava-se pela estabilidade do resto da estrutura pois poderiam estar outros cabos afetados o que poderia provocar danos catastróficos para o viaduto.

Tendo analisado o evento, tivemos depois de concentrar-nos no seguro de construção C.A.R. (Contractors All Risks), o qual já estava na fase de manutenção. Os termos da apólice previam a cobertura de danos provocados por eventos ocorridos durante a construção bem como de eventos ocorridos durante trabalhos de manutenção, este último não sendo aplicável neste caso em particular.

A nossa prioridade era apoiar o nosso cliente com a nossa experiência técnica e de cobertura de risco e consultoria prestada por peritos. Aconselhámos o nosso cliente a contratar um perito para o representar, pois a apólice incluía uma cláusula que previa o reembolso dos seus honorários.

Neste momento, o nosso cliente necessitava refletir sobre dois aspetos complementares mas igualmente críticos:
• Intervir o mais depressa possível na estrutura;
•Receber a indemnização das seguradoras o mais depressa possível. Face a estes dois objetivos, realizaram-se reuniões com especialistas de renome internacional no sentido de identificar as causas do acidente e permitir ao cliente uma intervenção certeira e eficiente. Não havia tempo a perder. 


As causas do acidente: um caso quase único 
Após o acidente, realizaram-se testes em parcelas do cabo partido, incluindo algumas partes não danificadas. Tendo por base as observações dos cabos e dos fios em causa, as superfícies danificadas foram classificadas em três categorias: · danos provocados por corrosão; · danos provocados por falha mecânica; · falha mecânica provocada por corrosão.

A avaliação das causas da corrosão dos cabos foi complicada, tornando o sinistro num caso quase único, com exceção de um incidente ocorrido num viaduto em França. Após realização de análises exaustivas, determinou-se que a corrosão tinha sido provocada por um mecanismo eletroquímico na argamassa definida como "branco” e "branco salpicado”.

Estas duas argamassas, com um teor alcalino e de sulfatos excessivo, gerou um ambiente base muito forte com um grau de alcalinidade superior a 13,8.

Este último, associado ao baixo nível de oxigénio, provocou a corrosão do fio. Uma vez criado este fenómeno, alastrou muito rapidamente devido à formação de um macro par entre as áreas com corrosão e as restantes.

Logo que as causas do evento foram identificadas, o cliente realizou uma análise detalhada de todos os cabos, tendo concluído que cerca de mais 15 cabos estariam em risco de partirem. Foi assim que uma reação química, rara e inesperada, conseguiu debilitar a estrutura de um colosso. Começaram os trabalhos de recuperação dos danos e para garantir a segurança da estrutura. 


Cobertura da apólice e acordo alcançado na participação 
Tal como referido na introdução deste caso, a dificuldade não era identificar o Quantum mas sim o An, isto é, avaliar se o evento tinha cobertura na apólice uma vez que o contrato aparentava excluir danos por corrosão.

No entanto, após uma análise detalhada da cláusula em questão, ficou claro que apenas seriam excluídos danos provocados por corrosão às partes diretamente afetadas. Neste caso, as áreas diretamente afetadas pela corrosão eram apenas alguns centímetros ou metros dos fios que compunham os cabos. Apenas uma pequena parcela dos danos encontrava-se excluída da apólice.

Após uma série de reuniões entre todas as partes envolvidas, e 2 anos volvidos, chegou-se a um acordo amigável de pagamento de uma indemnização no valor de 1.200.000,00€.


Revolta da Natureza
A 25/12/2009, um rio transbordou as suas margens, provocando uma inundação numa área de cerca de 31 km2, e quase uma cheia num lago próximo. A Proteção Civil montou de imediato uma unidade de crise. As residências na localidade foram evacuadas e as pessoas desalojadas receberam abrigo em hotéis.

Com a ajuda de voluntários, o Exército reforçou as margens do lago colocando milhares de sacos de areia, recorrendo também a bombas de água móveis para ajudar a drenar a água do lago. As primeiras operações foram realizadas a título de emergência, debaixo de chuva torrencial, por força do estado de alerta extremamente alto.

Encerrou-se a autoestrada na localidade uma vez que a superfície da estrada tinha ficado inundada com as fortes chuvas que tinham caído durante a noite. Procederam-se a operações de socorro com helicóptero nesse troço da estrada a vários automobilistas que tinham ficado encalhados ou que tinham optado por interromper a sua viagem devido às más condições da autoestrada.

A autoestrada ficou rodeada por água durante quatro meses, tendo sido encerrada por completo durante dois meses e parcialmente encerrada por mais dois, para permitir o escoamento da água. O aterro da autoestrada ficou completamente destruído em duas zonas, provocando também danos significativos noutras secções da estrada e noutras instalações.


A indemnização paga é um reflexo da dimensão da perda 
Nesta situação as causas dos danos eram mais que evidentes e eram cobertos por um seguro All Risks. Aconselhou-se o nosso cliente a contratar um perito que fosse consensual para todas as partes, uma vez que a apólice previa o reembolso dos seus honorários.

O cliente fez uma recolha de fotografias através da imprensa, e também forneceu relatórios detalha dos sobre a recuperação das instalações da autoestrada e medidas de segurança.

As intervenções cobriram especificamente os seguintes danos: · ruptura do aterro da autoestrada; · danos à estrutura e instalações da autoestrada; · bloqueio de valas e poços de drenagem da estrada; · desmoronamento de terras; · danos provocados nas redondezas das portagens.

Em conjunto com o perito, ajudámos o nosso cliente a receber toda a documentação necessária para fazer prova do evento que originou os estragos e também participámos na elaboração do relatório final a detalhar os prejuízos financeiros incorridos.

Depois de concluído o dossier, seguiu-se um período de negociação intensa. Após a análise efetuada pelo perito e o relatório final do cliente, o processo ainda demorou um ano a ser concluído. A indemnização paga foi de 4.500.000,00 €.


Conclusão: novos desafios são bem-vindos

Por forma a alcançar acordos bem-sucedidos nestes dois processos de sinistro, desenvolveram-se uma série de passos semelhantes para apoiar os clientes, nomeadamente no que toca aos seguintes aspetos: · competência técnica/seguros; · competência técnica/especialistas; · capacidade comercial e negocial; · identificação do Quantum e definição do sinistro.

Ao narrar estes eventos, procuramos concentrar- -nos, no primeiro caso, na eficácia da apólice e, no segundo caso, no processo de consultoria e de investigação realizado para avaliar a dimensão dos prejuízos e danos. Tendo lido ambos os casos, o leitor não deve achar que foi dada mais ou menos atenção à avaliação do risco e definição do Quantum em função da dimensão do evento. Bem pelo contrário.

Para se poder avaliar a dimensão total do prejuízo e recuperação dos danos, tem de se ter a mesma atenção em todas as fases do processo de sinistro. No entanto, é verdade que a natureza mais ou menos complexa do evento poderá despoletar uma atenção mais especial.

O Corretor pode melhorar o seu grau de conhecimento ao ganhar experiência com outros sectores que acabam por se sobrepor numa perspetiva de seguros. Foi este o caso no processo de engenharia que expusemos acima, cuja dificuldade residia na identificação da causa do evento que provocou os danos. Tornou o processo de sinistro mais complexo, nomeadamente na definição do âmbito da apólice, tornando necessário um processo colaborativo com especialistas de áreas mais científicas.

Em síntese, apreciámos este tipo de desafios, pois ajudam-nos a aumentar os nossos conhecimentos técnicos e também a desenvolver um raciocínio multifacetado.



Por Roberto Armana, CEO PCA e Fabio Covello, Gestão de Sinistro PCA
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