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Novas ideias para enfrentar os riscos geopolíticos nos negócios

As empresas terão de se ocupar cada vez mais da segurança geopolítica

Novas ideias para enfrentar os riscos geopolíticos nos negócios
Num momento em que, segundo o Relatório de Riscos Globais de 2016 do Fórum Económico Mundial (FEM), os conflitos entre estados, os ataques terroristas e os fluxos de refugiados exigem uma maior atenção estratégica por parte dos empresários e têm um maior impacto na economia global, as empresas terão de se ocupar cada vez mais da segurança geopolítica.

O relatório, elaborado em colaboração com o Zurich Insurance Group e outras instituições de primeiro plano, defende que os estados e governos têm menos capacidade para enfrentar as questões geopolíticas isoladamente, uma vez que estes desafios estão cada vez mais interligados.

O setor privado tem experiência, conhecimento e recursos que podem ser úteis, tais como dados para identificar os fatores de risco, informação que pode ser partilhada sobre atividades criminosas e a capacidade de controlar as cadeias de fornecimento durante situações de emergência, o que é um fator crucial.

"O papel da colaboração publico‑privado na resposta aos desafios globais é cada vez maior”, indica o relatório. "Temos de pensar claramente em novas alavancas que permitirão que uma grande variedade de agentes enfrente em conjunto os riscos globais, o que não poderá ser feito de forma centralizada”.

No passado muitas empresas demostraram relutância em envolver‑se diretamente em questões geopolíticas. Metade dos gestores inquiridos num estudo de 2011 da Wharton Business School afirmou que o método mais comum que usava para gerir os riscos geopolíticos era simplesmente o de evitar investir em zonas de instabilidade.

No entanto, é improvável que esta tática se mantenha à medida que as empresas procuram novos mercados e num momento em que a agitação e volatilidade se propagam rapidamente de uns locais para outros.


Alianças setoriais

Há, porém, evidências de que a situação está a mudar. Estão a surgir novas parcerias globais, e as ações levadas a cabo pelo setor privado contra o tráfico humano são um exemplo do tipo de influência que as empresas podem ter.

As iniciativas de um conjunto variado de setores, como o setor da banca, da tecnologia ou do transporte de mercadorias, são descritas no relatório de 2014 do Fórum Económico Mundial denominado Hedging Risk by Combating Human Trafficking (Cobrir o Risco por meio do Combate ao Trafico de Seres Humanos).
Este relatório realça também o setor de viagens, que criou "O Código” ("The Code”), um conjunto voluntário de orientações, criado em 2004, para ajudar à prevenção do tráfico e turismo sexual infantil.

Encabeçado por Marilyn Carlson Nelson, ex‑presidente do conselho de administração e diretora‑executiva das Carlson Companies, "O Código" foi ratificado em 2011 pelo grupo Hilton Worldwide e conta agora com 1.200 empresas signatárias de países como a Colômbia, a China, o Egito, a Tailândia, o Brasil e a Rússia.


Parcerias internacionais

Nas últimas décadas, as empresas também passaram a ter um papel cada vez maior em parcerias alargadas com as organizações da ONU e com organizações nao‑governamentais. 

As parcerias assumiram várias formas, desde donativos financeiros, como o donativo de 27 milhões de libras (cerca de 34 milhões de euros) concedido pela Unilever para apoiar o programa  Alimentar Mundial desde 2007, à iniciativa 5by20 da Coca‑Cola com a ONU Mulheres, que tem o objetivo de apoiar cinco milhões de mulheres empreendedoras em toda a cadeia de valor da empresa até 2020.

O economista David McWilliams, professor na School of Business do Trinity College de Dublin, destaca o Pacto Global da ONU – uma iniciativa voluntária do setor privado lançada oficialmente no ano 2000 para apoiar os objetivos de sustentabilidade da ONU – como um exemplo da influência que as empresas podem ter quando trabalham em conjunto com os governos em desafios globais.

Cerca de 8000 empresas assinaram o código de comportamento do Pacto Global da ONU composto por dez pontos centrados nas áreas dos direitos humanos, do trabalho, do ambiente e do combate à corrupção. Estas empresas apresentam todos os anos uma auditoria para demostrar que estão a cumprir estes requisitos, sendo a mesma publicada on‑line. 

Num relatório de 2013 da Coca‑Cola Bottling Company do Gana, por exemplo, indicava‑se que a empresa tinha comprado uma nova linha de enchimento de garrafas de plástico mais eficiente do ponto de vista energético e que tinha construído uma estação de tratamento de águas residuais para o seu fornecedor de sumo de fruta.

Ação contra as alterações climáticas

Nas conversações de Paris sobre o clima, que tiveram lugar em dezembro, as 443 empresas signatárias da iniciativa Caring for Climate do Pacto Global da ONU definiram novas metas para o valor estimado de emissões anuais coletivas, poupando 93,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Nunca antes tínhamos visto este nível de envolvimento das empresas e é claro que esta dinâmica é imparável.

Ao congratular‑se com o acordo de Paris sobre o clima, Lise Kingo, diretora executiva do Pacto Global da ONU, afirmou que o setor privado deveria ser elogiado por introduzir melhores práticas empresariais no processo e por enviar uma forte mensagem de afirmação da importância de um acordo sólido sobre o clima.

"Acreditamos que o Acordo de Paris envia os sinais certos para o mercado e que irá criar previsibilidade, desbloquear capital, promover a inovação e premiar a atividade empresarial responsável”, sustentou. "Nunca antes tínhamos visto este nível de envolvimento das empresas e é claro que esta dinâmica é imparável”.


Enfrentar a crise da água

Além da colaboração da ONU, as empresas contribuem de outras formas para as questões globais. A empresa alimentar internacional Nestlé, que fez do tratamento responsável da água um ponto "crítico” da atividade,propôs o próprio Objetivo de Desenvolvimento Sustentável ao Banco Mundial em 2013, que é o de reduzir o consumo de água da empresa para níveis sustentáveis.

"Embora esta medida possa não parecer perfeita tendo em conta as complexidades  as captações, dos usos e dos fluxos de retorno de água”, diz Peter Brabeck‑Letmathe, presidente da Nestlé, "estou convencido de que pode funcionar como uma boa abordagem prática para uma ação orientada para os resultados”.

Brabeck‑Letmathe leva a questão da água tão a sério que criou um blogue chamado Water Challenge (Desafio da Água) [https://www.water‑challenge. com]. Num post intitulado "Não vamos conseguir alimentar o mundo enquanto não resolvermos a crise de água”, Brabeck‑Letmathe cita a experiência do Punjab, onde os lençóis freáticos estavam a baixar um metro por ano depois de serem concedidos subsídios para as bombas de irrigação. Não houve nenhum incentivo para limitar o uso de água apesar das consequências inevitáveis – seca e declínio das colheitas.


A necessidade de parcerias

"Os agricultores viram que era completamente inútil mudar os próprios hábitos sem que houvesse esforços conjuntos efetivos de todos as partes interessadas na bacia hidrográfica", escreve Brabeck‑Letmathe.
«Extrapolado para a escala internacional, este é o busílis: sem parceria entre todos os que partilham um interesse na resolução do problema, não avançaremos para uma solução significativa”.

Das questões hídricas à crise de refugiados, as parcerias são cruciais para se encontrarem soluções para problemas cada vez mais interligados e globais e, como se sugere no Relatório de Riscos Globais de 2016, muitas empresas parecem estar prontas para desempenhar um papel mais importante.


Principais ideias a reter

• No Relatório de Riscos Globais de 2016, acredita‑se que o papel da colaboração público-privado na resposta aos desafios globais é cada vez maior.
• Tradicionalmente as empresas multinacionais têm evitado envolver‑se diretamente em questões geopolíticas. 
• As ações levadas a cabo pelo setor privado contra o tráfico de seres humanos são exemplo do tipo de influência que as empresas podem ter.
• O Pacto Global da ONU é um exemplo da influência que as empresas podem ter quando trabalham em conjunto com os governos em desafios globais.


Por David Anderson, Global Business Development Director na Zurich Credit & Political Risk

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