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O desafio da mudança climática

Os desastres naturais coexistiram com a humanidade ao longo da História, mas as últimas décadas foram testemunha da importância que esses fenómenos adquiriram devido ao extraordinário aumento dos danos por eles causados.

 O desafio da mudança climática
A maior parte desse aumento deve-se a mudanças económicas, demográficas e geográficas, tais como o considerável crescimento dos valores em risco, o aumento da atividade seguradora, a maior concentração de valor nas regiões expostas (zonas costeiras, por exemplo) ou o crescimento da densidade da população. Porém, existe outro fator de risco que se manifesta cada vez com maior intensidade como causa potencial da frequência e gravidade dos desastres naturais: a mudança climática.

 Como resultado das recentes investigações, existe um amplo consenso na comunidade científica sobre o aumento da temperatura da Terra e sobre o facto de que a atual mudança climática, o chamado aquecimento global – à margem das variações cíclicas próprias do planeta – tem sua origem na elevada concentração de gases de efeito estufa (GEI), como o dióxido de carbono e o gás metano, nas camadas superiores da atmosfera.

Esses gases permitem a passagem da radiação de onda curta do Sol através da atmosfera, mas também absorvem parte da radiação de onda extensa, que é liberada da superfície da Terra, e que fica presa na atmosfera, mantendo o planeta quente e alterando seu sistema climático. Desde a Revolução Industrial, época em que a queima de combustíveis de origem fóssil aumentou extraordinariamente que a temperatura da Terra cresceu progressivamente.

Os dez anos mais quentes desde que começaram a ser feitos os registos de temperaturas ocorreram a partir de 1990, sendo 2005 o ano em que houve as temperaturas mais altas. Há provas de que as últimas décadas foram mais quentes que em qualquer outro período comparável dos últimos 400 anos. As concentrações de GEI estão a elevar-se a um ritmo superior ao previsto. Esse fenómeno está relacionado com o uso de combustíveis fósseis e a outras atividades humanas.

O resultado é que a temperatura da Terra está aumentando a uma velocidade alarmante. A temperatura da superfície do mar subiu entre 0,2 e 0,6 graus Célsius no século passado, ao mesmo tempo que sobem as temperaturas. Hoje existe um vasto consenso científico de que a mudança climática é uma realidade e que vai dar lugar a mudanças significativas nos fenómenos meteorológicos.

O que parece certo, diante de todos os dados científicos de que dispomos, é a existência real da mudança climática, dado que ainda existem dúvidas sobre a natureza exata, o lugar e a intensidade das manifestações dessa mudança, já que os fenómenos meteorológicos são influenciados por uma complexa rede de fatores inter-relacionados. Consequências Em 2005 alcançaram-se máximos históricos na quantia das indemnizações pagas pelas companhias de seguros: no total 83 bilhões de dólares. Esta cifra é 70% superior à anterior cifra recorde de 48 bilhões de dólares alcançada em 2004.

Nomes tão conhecidos como "Katrina”, "Rita”, "Ivan”ou "Wilma” foram os responsáveis por esse aumento. Os danos causados por desastres naturais multiplicaram-se nos últimos trinta anos. Os dez furacões que causaram mais danos ocorreram nos últimos dez anos, sendo sete deles nos dois últimos anos. Não resta qualquer dúvida quanto à gravidade das catástrofes causadas por fenómenos meteorológicos.

No entanto, uma pessoa poderia perguntar até que ponto essa acumulação de fenómenos climáticos violentos, principalmente tempestades e furacões, é simplesmente um episódio isolado ou produto de ciclos naturais ou se, ao contrário, estamos diante de uma tendência de progressiva piora causada pela mudança climática.

A evidência científica não apresentou até o momento nenhuma resposta concludente nesse aspeto. Por enquanto não é possível demonstrar com evidência significativa que o aumento da frequência e da intensidade dos furacões em 2005 se deva especificamente à mudança climática. No entanto, os modelos climáticos indicam certamente que alguns dos efeitos da mudança climática, como a subida das temperaturas e, por conseguinte, a evaporação da água do mar, poderiam favorecer a aparição de condições para a formação de tempestades tropicais e furacões.

É um facto que, em 2005, a superfície das águas do Caribe alcançou níveis muito altos de temperatura, o que coincidiu com a mais alta atividade registada na formação de tempestades tropicais na região caribenha. E tem mais: sete dessas tempestades se transformaram em potentes furacões, com as devastadoras consequências que todos nós conhecemos. Portanto, mesmo que não possamos afirmar categoricamente, o aumento da frequência dos diferentes desastres poderia ser uma consequência lógica da mudança climática.


Outros fenómenos não catastróficos como fonte de risco
Os aspetos mais conhecidos da mudança climática correspondem às grandes catástrofes, mas a mudança climática pode dar lugar a outros fenómenos que, sendo menos extremos, podem constituir uma importante fonte de risco nas próximas décadas. Através da Agência Europeia de Meio Ambiente, a União Europeia começou a avaliar e a calcular a vulnerabilidade dos Estados-membros nesse sentido. São três os fenómenos que, sem dúvida, têm uma especial importância: em primeiro lugar, o aumento das temperaturas.

Nas próximas décadas vão se produzir aumentos de temperatura em diferentes partes da Europa, e Espanha será uma das áreas mais afetadas, com aumentos de até 4,5 graus Célsius. Com os aumentos de temperatura, a Agência Europeia do Meio Ambiente determinou, como segunda das principais mudanças, a redução da quantidade e qualidade dos recursos hídricos.

No caso da Península Ibérica, as perdas poderiam alcançar até 50% em algumas bacias hidrográficas. Por último, a elevação do nível do mar devido ao degelo das calotas polares é o terceiro dos riscos principais identificados. Durante o século XX foram registados aumentos entre 0,8 e 3 milímetros ao ano, e os prognósticos apontam que o ritmo de elevação se multiplicará por dois e até por quatro nas próximas décadas. Esses efeitos da mudança climática são motivos de sé- ria preocupação para o mercado segurador, em particular para o mercado de seguros de residência e de acidentes, devido à sua repercussão em muitas atividades e no funcionamento do sistema socioeconómico. 


Efeito no sistema socioeconómico
Sem dúvida, as atividades agrárias serão as mais afetadas pelas mudanças climáticas nas próximas décadas. Em geral, a contribuição dessas atividades para o produto interno bruto nos estados-membros da União Europeia é baixa. No entanto, em países como a Espanha e outros do sul da Europa, em que há uma maior contribuição, poderia haver importantes repercussões.

A transformação das condições climáticas pode fazer com que algumas áreas sejam propensas a seca e a ondas de calor, provocando uma piora do processo de desertificação, bem como a perda de colheitas, redução dos recursos hídricos, danos a ecossistemas, migração forçada de grupos humanos e um aumento considerável de risco de incêndios florestais.

A elevação do nível do mar é uma das consequências mais conhecidas e mais preocupantes da mudança climática. Na Europa, as áreas costeiras abrigam um alto percentual da população e dos ecossistemas que constituem uma importante fonte de alimentos. A Dinamarca, o Reino Unido e os Países Baixos estão especialmente expostos a este risco. A elevação do nível do mar, já apreciável, tornará essas regiões mais vulneráveis a fenómenos como inundações, erosão de costas e aumento do conteúdo salino de aquíferos e estuários. As consequências têm sérias implicações para a sustentação dos recursos e a população humana que habita esses lugares.

A Agência Europeia do Meio Ambiente realizou cálculos que demonstram a gravidade dos danos associados a essas mudanças. Para regiões como os Países Baixos, uma elevação do nível do mar de apenas um metro poderia obrigar ao realojamento de mais de dez milhões de pessoas, quase 70% da população.

Essas circunstâncias significariam também perdas de aproximadamente 150 bilhões de euros, cerca de 70% do produto interno bruto. Outros países, como a Alemanha e a Polónia, poderiam sofrer numerosas perdas materiais, que afetariam seriamente o conjunto da economia da União. A Agência Europeia não avaliou os efeitos para a Espanha nesse ponto, mas sem fazer cálculos sobre movimentos forçados da população ou perdas materiais, é fácil imaginar até que ponto a situação poderia representar um desastre para nosso país. Uma parte significativa da riqueza da Espanha (até 12%) está baseada em atividades relacionadas a seu litoral: o turismo. Se pensarmos que a elevação de um único centímetro no nível do mar representa a perda de um metro linear de praia, pode-se compreender com facilidade até que ponto a elevação do nível do mar constitui um risco importante para nosso país.

O que podem fazer as companhias de seguros
O sector sofreu o enorme impacto das grandes perdas sofridas em consequência das temporadas de furacões de 2004 e 2005. O mais preocupante é que essas perdas parecem fazer parte de uma tendência global de progressivo aumento dos desastres causados por fenómenos meteorológicos e das indemnizações conseguintes.

Não só os Estados Unidos foram golpeados, mas também o Japão teve em 2004 uma estação de tufões catastróficos, tempestades intensas e inundações, que estão ocorrendo com maior frequência na Europa. De acordo com o Risco financeiro da mudança climática, relatório elaborado pela Associação de Seguradores Britânicos (ABI) a cada ano, desde 1990 ocorreram pelo menos 20 fenómenos no Mundo inteiro que as companhias de seguros poderiam classificar como grandes catástrofes naturais pela sua gravidade. Nos 20 exercícios anteriores a 1990, só houve três anos que experimentaram mais de 20 fenómenos dessa gravidade.

Os danos segurados sofridos nos 20 exercícios anteriores a 1990 alcançaram uma média de três bilhões de dólares ao ano, frente aos 16 bilhões de dólares anuais registados entre 1990 e 2004. Muitos cientistas estão convencidos de que a imprevisibilidade cada vez maior do clima é resultado do aquecimento global. No sector dos seguros estão a chegar à mesma conclusão.

Não é só a crescente frequência dos fenómenos que preocupa os asseguradores, mas também a velocidade com que aumenta essa frequência. Um relatório da Associação de Investidores da Área Meio Ambiental dos Estados Unidos (CERES), intitulado "The Availability and Affordability of Insurance Under Climate Change", revelou que os danos segurados relacionados com meteorologia estão a crescer nos Estados Unidos a um ritmo dez vezes superior ao das gratificações dos seguros e da economia em geral. Em teoria, a maior variabilidade do clima deveria supor mais oportunidades de negócio para as companhias de seguros e resseguro.

Nesse sentido, os principais resseguradores afirmam manter uma taxa anual de crescimento de prémios superior a 9%. Assim, a mudança climática é uma oportunidade para o mercado tradicional de seguros de danos catastróficos. Mas, se tal como indica o relatório de CERES, os prémios não crescem no mesmo ritmo que os danos, o sector enfrenta mais perdas imprevistas, um possível deficit de capital e a ameaça de insolvência.


Momento de atuar
Agora que o mercado segurador começou dar maior atenção à mudança climática, a questão é saber o que se pode fazer para evitar que ela se transforme num problema. Muitos acham que a chave para fazer frente à mudança climática é o investimento e a colaboração na pesquisa científica, com o fim de poder determinar com toda exatidão seu impacto. Nos últimos anos, seguradores e resseguradores, como Swiss Re, Münchener Rück, a Associação de seguradores Britânicos (ABI), a Allianz ou o Lloyd’s, publicaram diversos relatórios sobre o fenómeno. Melhorar os modelos de risco será essencial para o sucesso das iniciativas empreendidas frente à mudança climática. Muitos pensam que os modelos devem mudar para refletir as mais recentes conclusões científicas. O futuro será diferente, e os modelos já não deveriam pautar-se unicamente em padrões baseados no comportamento do clima. Alguns dos principais desenhistas de modelos de riscos já adaptaram seus modelos, mas provavelmente se requereria uma revisão constante.

Investigação, novos modelos e colaboração com os governos 
Uma maior atividade de pesquisa e a criação de modelos mais pontuais permitirá às seguradoras e aos resseguradores fixar preços mais ajustados para os riscos e rever as suas condições de cobertura. Além de melhorar o trabalho de pesquisa e de criação de modelos, o sector deve colaborar com os governos para que se faça o possível e se possam reduzir os riscos e mitigar os possíveis danos. Nesse sentido, é provável que seja necessário um maior esforço para que as estratégias regionais de planeamento contemplem os riscos da mudança climática, os planos de desenvolvimento e a infraestrutura sejam flexíveis e as atividades vulneráveis mudem para lugares mais seguros.

Além disso, os seguradores promoverão melhores códigos de edificação à medida que cheguem ao mercado novas tecnologias e produtos desenhados para mitigar danos potenciais. Por exemplo, a Associação de Seguradores Britânicos (ABI) apresentou propostas concretas ao executivo do Reino Unido para a gestão do risco de inundação, comprometendo-se a proporcionar cobertura se o governo puser em prática planos para melhorar os meios de defesa e gestão contra as inundações. Parece que já foi possível um avanço considerável. A forma como o mercado Segurador aborda a questão da mudança climática é vital, essencial para a saúde da economia. Sem seguro não é possível dirigir um negócio.

Por Antonio Salgado Gorostizaga Divisão de Riscos Globais Mapfre 
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