A Covid-19 criou desafios significativos para muitos setores, mas a aviação foi, sem dúvida, um dos afetados. Como indústria necessariamente internacional, a aviação é particularmente afetada pelo conjunto de restrições à deslocação e quarentenas que são impostas e mantidas por todo o mundo. Este artigo irá salientar alguns dos principais obstáculos relacionados com a Covid que as entidades do setor da aviação se esforçam por ultrapassar antes de avaliar em que medida o mercado de seguro de aviação está bem preparado para suportar o esforço de recuperação transversal a todo o setor. Finalmente, este artigo abordará a forma como, apesar dos interesses algo concorrenciais entre entidades do setor da aviação e respetivas seguradoras, ainda existe espaço para estas criarem oportunidades na esfera do seguro através de ações devidamente refletidas e estruturadas.
DESAFIOS DAS ENTIDADES DE AVIAÇÃO
As características únicas do desafio que a Covid representa para o setor da aviação consistem um choque para ambos os lados: a oferta e a procura. A diminuição da confiança dos passageiros e da riqueza pessoal levaram a uma menor procura por parte dos consumidores, ao passo que as restrições de viagem impostas pelos estados cortaram drasticamente a oferta de serviços por parte da indústria. A dimensão deste desafio é sublinhada pelo facto de que, de acordo com a IATA, 2020 ter marcado uma redução anual de 65,9% face ao período homólogo no rendimento total por passageiro‑quilómetro (RPKs).
Este impacto, sendo assumido na linha da frente pelas operadoras, repercute‑se por toda a cadeia de fornecimento da aviação. Se menos passageiros voarem, decresce a frequência dos aeroportos, reduz‑se a necessidade de prestadores de serviços relacionados e diminui a procura de produtos e serviços OEM1 (Fabricantes de equipamentos originais). A Covid é verdadeiramente um desafio para todo o setor.
Esta crise continuada colocou pressão sobre as reservas de liquidez das empresas, uma vez que a preservação de divisas, proteção do balanço e uso de ativos livres de encargos para libertar capital têm sido algo comum. Esta ação tem sido frequentemente acompanhada por um foco implacável na redução dos custos fixos.
Embora estas medidas ajudem os participantes no setor a mitigar ameaças imediatas à sobrevivência, há problemas significativos a médio prazo que é preciso ultrapassar. Quais são as implicações em termos de compliance, face às inevitáveis medidas de saúde que as autoridades competentes procurarão impor? Além disso, questão talvez mais essencial ainda, que forma assumirá a recuperação do setor? Poderá o setor esperar razoavelmente que a sua atividade volte ao estado "de antes” no que diz respeito à sua dimensão e forma? É importante que a comunidade de seguros da aviação, que presta um serviço essencial às entidades do setor, compreenda a dimensão dos desafios presentes e futuros quando define a sua oferta aos clientes do setor da aviação.
DESAFIOS DOS SEGURADORES
Estando as entidades da aviação a responder a um choque prolongado devido ao impacto da Covid, os seguradores da aviação têm vários desafios próprios a enfrentar, com as suas nuances particulares. Ao nível mais simples, os seguradores da aviação afirmam que 7 dos últimos 10 anos têm sido de prejuízo, numa base de prémios vs sinistros (antes de considerar os custos operacionais e com resseguro). Assim, mesmo antes da Covid, o sentimento geral era de que o valor global dos prémios no mercado era insuficiente.
Embora a inatividade induzida pela Covid tenha resultado em menos sinistros (especialmente em termos de desgaste), o mercado continua a sofrer o impacto de uma deterioração em grande escala em sinistros passados. Acresce a este fator a erosão dos prémios em consequência de apólices com valores ajustáveis à exposição, existentes em alguns sub‑setores do mercado.
O desafio para os seguradores da aviação é, pois, como responder de forma ponderada e apoiar os clientes do setor num momento de necessidade, assegurando simultaneamente a sustentabilidade a longo prazo do mercado e das suas próprias carteiras. Os clientes da aviação precisam de apoio e tratamento favorável a curto prazo mas também de um mercado de seguros sustentável com o qual possam interagir a médio e longo prazo.
Este dilema complica‑se com o mercado de resseguro que, em resposta à deterioração dos resultados com sinistros já referidos, impõe aumentos de prémio significativos aos seguradores diretos.
Não há uma política universal que resolva este dilema de forma conclusiva e, enquanto os seguradores da aviação desenvolvem a sua oferta para mitigar alguns dos problemas acima referidos, também recai sobre os clientes da aviação o ónus de "ajudar os seguradores a ajudá‑los”.
ZONAS DE TURBULÊNCIA
Notando a dimensão do desafio e a necessidade de encontrar um equilíbrio entre as necessidades de todas as partes, é mais crucial que nunca que os clientes e os seus corretores ponderem a forma como apresentam os pedidos de renovação ao mercado, para ajudar os seguradores a oferecer a sua participação nas melhores condições possíveis.
Não tomar medidas deixa em aberto a possibilidade de os clientes da aviação sofrerem as tensões do mercado. Nesse cenário, a única certeza é de que não se conseguirá resultados satisfatórios para o mercado.
Os clientes do setor da aviação com uma melhor interação com o mercado de seguros de aviação serão provavelmente aqueles que conseguirão redefinir os seus programas para se adaptar ao novo ambiente operacional e às circunstâncias do seu próprio negócio.
O aspeto desse "sucesso” irá variar entre os clientes e dependerá dos fatores chave que definem a sua estratégia, mas os clientes devem perguntar‑se: "O meu nível atual de transferência de risco é adequado à minha missão? Estou a transferir a quantidade apropriada de risco para o mercado?”
As respostas a estas perguntas ajudarão a refletir sobre o aspeto futuro de um programa ideal num contexto em que os seguros são adquiridos com base na ocorrência de danos e se espera que a exposição seja suprimida a médio prazo.
Globalmente, tudo o que o cliente possa fazer para alterar o perfil de risco que apresenta ao mercado servirá para mitigar o impacto de ser, simplesmente, "indexado” às mesmas condições, e ajudará os seguradores a diferenciar o seu risco e assim oferecer as melhores condições possíveis.
1 N. Editor – No original OEM: Original Equipment Manufacturers.
Philip Smaje é CEO da Piiq Risk Partners. Tem uma vasta experiência e competências líderes no setor, abrangendo vendas, gestão de clientes, corretagem, sinistros e operações. Trabalhou para a Willis Towers Watson (WTW) durante mais de 30 anos, durante os quais assumiu vários cargos de responsabilidade, mais recentemente Diretor Global de Corretagem para o segmento Seguros. A maior parte da sua carreira, desenvolveu-se nos seguros do setor aeroespacial, tendo adquirido experiência significativa na criação de soluções de gestão de risco e gestão de colocações, assim como em sinistros de grande dimensão e complexidade. É um negociador experiente, calmo sob pressão e eficaz na resolução de problemas. Philip Smaje regressou recentemente ao setor aeroespacial para coliderar a Piiq Risk Partners, concentrando‑ se em desafiar o status quo num esforço de acrescentar valor aos clientes. É membro do Chartered Institute of Insurance.
Henry Bexson é Associate Partner na Piiq Partners. Juntou‑ se ao escritório da Piiq em Londres em fevereiro de 2020. Tem experiência em análise de dados e informação de mercado, bem como em prestação de serviços ao cliente. Desempenha um papel multifacetado na Piiq, o que lhe permite fornecer informação estratégica relevante aos clientes de aviação. Tem experiência, especificamente, nos setores de Transporte Aéreo e fabricantes e um conhecimento sofisticado do mercado de seguro de aviação. No seu cargo anterior na Marsh, Henry Bexson era responsável pela função de análise de dados da área de aviação, estando igualmente envolvido nas estratégias de colocação e renovação de contratos junto de grandes clientes de transportadoras aéreas e fabricantes.