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Responsabilidade Ambiental em Angola

Por Mário Xicato, ENSA

É inegável que a exploração de recursos naturais é essencial para a nossa sobrevivência. A Revolução Industrial do século XVIII dinamizou extraordinariamente a produção de bens e gerou novos hábitos de consumo entre as populações. A produção de uma boa parte destes bens é dependente de recursos naturais.

A realidade tem mostrado que, quanto mais consumimos estes bens, mais intensa é a intervenção do Homem sobre o meio ambiente. Devido à sua degradação crescente, a primeira Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, veio avisar o planeta das acções humanas que estavam a provocar uma séria destruição da natureza e a gerar graves riscos para a sobrevivência da humanidade.

A tutela do dano ambiental
Esta nova consciencialização global, sobre as implicações ambientais no desenvolvimento humano, impulsionou os Estados a uma melhor tutela do bem ambiente. Por essa razão, o legislador ambiental angolano aprovou, entre outros, o Regime de Responsabilidade por Danos Ambientais (RRDA), assente no princípio do poluidor‑pagador, através do Decreto Presidencial nº 194/11, de 7 de Julho. 

De acordo com este princípio, o poluidor deve arcar com os custos necessários para a reparação dos danos ambientais. Ou seja, todos os agentes que, em resultado das suas acções, provoquem danos ao ambiente, degradação, destruição ou delapidação, estão obrigados a recuperar e/ou a indemnizar os danos causados. Sem dano não há responsabilização do agente. Todavia, em matéria ambiental, a mera violação de uma norma de protecção que ameace a ocorrência de dano ambiental, poderá implicar a responsabilização do agente.

O dano ambiental
O dano ambiental é definido, à luz do RRDA, como "a alteração adversa das características do ambiente, e inclui, entre outras, a poluição, a desertificação, a erosão e o desflorestamento”. Contudo, esta definição é muito lata, e leva a supor que, seja qual for a acção humana contra o ambiente, accionar‑se‑a contra os agentes económicos todos os mecanismos legais disponíveis. Isto gera incerteza e insegurança jurídicas.

Por isso, entende‑se que a adição do adjectivo "significativo” poderá restringir a sua amplitude e possibilitar a aplicação eficaz do regime de responsabilidade ambiental. Ora, é consensual a divisão do dano ambiental em: subjectivo, e ecológico. O dano é subjectivo quando, da lesão de um componente ambiental concreto – solo, subsolo, ar, água, luz, flora e fauna –, atinge a pessoa e a sua propriedade, e ecológico quando altera, deteriora ou destrói a integridade de um bem ambiente natural.

Os mecanismos de responsabilização
Para garantir a prevenção, a reparação dos danos ambientais e a transferência destes custos ao causador, o legislador ambiental angolano introduziu, na RRDA, os mecanismos de responsabilidade subjectiva e objectiva. naturais, e para assegurar aos cidadãos o direito a um ambiente sadio, sobretudo, nas situações em que o causador não dispusesse de recursos para evitar o agravamento do dano ambiental e/ou para o reparar.

Estranhamente, o legislador angolano sujeitou as actividades petrolíferas, por sinal, as que mais causam danos ecológicos em Angola, ao regime de responsabilidade subjectiva. Ora, provar o nexo causal de que as descargas poluentes no rio provocaram a morte de milhares de peixes e danos à saúde das pessoas é, em matéria ambiental, uma tarefa onerosa, complexa e difícil.  Portanto, imputar esse ónus aos lesados, é uma solução desvantajosa e dificulta a responsabilização dos lesantes. 

Porém, com a superveniência do RRDA e, com a afirmação preambular de «revogação de toda a legislação que o contrarie», entende‑se que, a actividade petrolífera em Angola, passou a sujeitar‑se ao mecanismo da responsabilidade objectiva. Relativamente à responsabilidade objectiva, o agente – de maior ou menor dimensão – que ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um componente ambiental é obrigado a reparar e a prevenir os danos ambientais, independentemente de culpa ou dolo.

Ou seja, mesmo que o agente invista em prevenção e adopte as medidas adequadas a evitar o dano ambiental, será sempre, ope legis, obrigado a reparar e/ ou a indemnizar os lesados. Esta solução afigura‑se, não só, economicamente ineficiente, como pode constranger a iniciativa económica. 

Para a sua melhor eficácia, entende‑se que este mecanismo deve estar atado a uma lista de actividades que revelem objectivamente um elevado risco de dano ambiental e, às actividades de menor risco ao mecanismo de responsabilidade subjectiva na modalidade subjectiva objectiva, acima referida.

A responsabilidade administrativa não dispõe, no RRDA, de um regime expresso e preciso. Não obstante, esta resulta quando o operador viola uma norma administrativa destinada à protecção ambiental, cuja consequência se traduz na aplicação de uma multa. A este respeito, o legislador angolano não estipula critérios objectivos para a sua Em sede de responsabilidade subjectiva os agentes que, com dolo ou mera culpa, causarem danos ambientais estão obrigados a reparar os prejuízos e ou indemnizar o Estado e aos particulares pelas perdas e danos a que deram causa forma de medidas de compensação indemnizatória e a recuperação ambiental.

Neste regime, entendemos que, em vez de se indemnizar o Estado, a mesma reverteria ao Fundo Ambiental, para financiamento, e.g., de estudos e programas de valorização dos recursos aplicação, cujo valor, equivalente em Kwanzas, varia entre os US$ 1.000,00 e 1 000 000,00. Por exemplo, não distingue na fixação da multa, a responsabilização por acto negligente de acto doloso, nem de pessoa singular de pessoa colectiva. 

Esta lacuna poderá estimular aarbitrariedade na fixação de multas, e gerar incerteza aos agentes económicos, incomportáveis, portanto, num Estado Democrático moderno. Apesar da previsão destes mecanismos, é amiúde a ocorrência de danos ambientais, sobretudo, ecológicos.

Porque há danos que pela sua magnitude podem acarretar custos elevadíssimos, levar o operador à falência e impossibilita‑lo de reparar os danos e/ou indemnizar os lesados, os agentes que operam em Angola, estão obrigados a constituir uma ou mais das seguintes garantias financeiras: subscrição de apólice de seguro, garantia bancária, participação em fundo ambiental, ou constituição de fundos próprios. Note‑se que todas elas estão sujeitas ao princípio da exclusividade, i.e., não podem ser desviadas para outro fim, nem serem objecto de oneração, sob pena de responsabilização administrativa. 

Por fim, vale notar que, de entre as garantias referidas, a subscrição de um seguro é, na nossa opinião, a mais adequada para atender os objectivos de política ambiental, por se revelar mais económica e dispor de mecanismos de avaliação de riscos que ajudam os agentes a adoptarem as medidas de prevenção de dano ambiental mais apropriadas.

Contudo, inversamente do que estipula o legislador angolano, o seguro não deve ser obrigatório. Primeiro porque, estes seguros prevêem cláusulas e capitais inflexíveis. Segundo, comportando a matéria ambiental riscos de grande complexidade e alguns ainda não dominados totalmente pela técnica securitária – como o risco de poluição gradual –, é preferível a adopção do modelo de contratação caso‑a‑caso.
Este modelo, não só evita o dilema da selecção adversa, como facilita a construção de apólices ajustadas – capitais e coberturas – às reais necessidades de cada agente. •



Mario Xicato
Jurista, licenciado na Universidade Católica de Angola, Pos‑graduado em Gestão Aplicada na ABS‑Universidade Nova de Lisboa. Pos‑graduado em Direito dos Seguros na AIDA – Faculdade de
Direito de Lisboa, Pos‑graduado em Banca, Bolsa e Seguros na BBS – Faculdade de Direito de Coimbra e Mestre em Direito e Gestão pela Universidade Católica Portuguesa. Entrou para a actividade seguradora em 1998, na ENSA, S.A.
Na Direcção de Automóveis, onde começou como técnico de balcão, aprendeu a realizar peritagens de danos corporais e materiais, fez várias formações locais e auto‑aperfeicoamento que lhe rendeu uma boa capacidade crítica e de análise de gestão de sinistros, e culminou com a sua nomeação como Chefe de Departamento de Sinistros Automóveis. Nos tempos livres dedica‑se, entre outras coisas, a produção de artigos de opinião, visando o aumento da cultura de seguros no seu país.

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