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Shades of grey: Macro Outlook 2017

2016 foi um ano de surpresas. Vários pressupostos políticos e económicos mudaram radicalmente.

Devadas Krishnadas
Fragmentação

Em primeiro lugar, a Fragmentação. No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, verificou‑se uma tendência geral para as plataformas globais, a que se seguiu, com o fim da Guerra Fria, uma corrida frenética para a globalização. As velhas rivalidades geopolíticas desapareceram e surgiram mercados novos completamente abertos ao desenvolvimento, ao investimento, à produção e ao consumo, dando origem ao comércio bilateral e multilateral e a enquadramentos político‑monetários.

No entanto, estamos agora a assistir a uma vaga crescente de populismo. Este fenómeno esteve a fermentar durante algum tempo antes de se generalizar e triunfar em termos de política eleitoral.

A eleição do improvável Donald Trump como 45.º presidente dos EUA é talvez a indicação mais evidente de que o populismo e a movimentação das margens políticas no sentido do centro se fazem neste momento a um ritmo desenfreado.

Trump comprometeu‑se a construir um «muro» ao longo da fronteira entre os EUA e o México, a renegociar os termos da NAFTA e repudiou a Parceria Transpacífico. Expressou ceticismo relativamente à NATO e manifestou desinteresse nas garantias históricas de segurança dadas ao Japão, a Taiwan e à Coreia do Sul.

A vaga populista que levou Trump à presidência deu alento a movimentos semelhantes na Europa Ocidental, que podem conduzir, em 2017, ao sucesso político da extrema‑direita em França, na Holanda, na Alemanha e em Itália. As democracias irão eleger, uma vez mais, os seus maiores cínicos.


Calibragem

Em segundo lugar, a Calibragem. As nações do sudeste asiático em especial, e os governos em geral, estão a reavaliar as suas convicções políticas e económicas há muito estabelecidas sobre estruturas, sistemas e relações. 

Donald Trump vem alterar as regras do jogo e é provável que as ondas de choque se pareçam mais a um tsunami do que a uma situação de calmaria.

O ano de 2017 caracterizar-se-á, possivelmente, por uma ambiguidade crescente no que respeita à liderança mundial. 
Quem estará de facto a assumir a liderança do mundo? O que pensar do futuro da liderança dos EUA, que, com Trump como presidente, provavelmente será mais transacional do que estratégica? Onde poderão as economias – sobretudo as que dependem fortemente do comércio externo – encontrar fontes de procura relativamente acessíveis e isentas de carga fiscal para estimular o crescimento futuro? Onde poderão as nações mais pequenas, em especial as da Ásia e da África, encontrar um parceiro de segurança que seja confiável, previsível e capaz? 

A resposta, promovida de forma intensa pela própria, é: na China. A China está a encarar os desenvolvimentos no Ocidente – promovidos como erráticos, instáveis, contrários ao comércio livre e militaristas – como um sinal de que os países têm de encontrar um «irmão mais velho» estável, previsível, favorável ao comércio livre e confiável. 

A melhor forma de descrever a caraterização que a China faz de si própria pode ser encontrada na imagem histórica do «Centro» benevolente ao qual é preciso prestar tributo. As nações que se posicionarem como nações que pagam tributos terão benefícios, ao passo que as nações que decidirem resistir ou opor‑se sentirão toda a pressão do seu descontentamento.

Os países não fazem realinhamentos estratégicos de ânimo leve. O reinado de Trump poderá ser o ponto de viragem para uma recalibragem de geometrias estratégicas de longo prazo com a bússola a girar do Ocidente para o Oriente.

Estando o futuro da Parceria Transpacífico em causa, é de esperar que a China preencha este vazio, com o apoio da Parceria Económica Regional Abrangente ou da RCEP – Regional Comprehensive Economic Partnership.  A RCEP é um acordo de comércio livre que abrange os paises‑membros da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), a Austrália, a China, a Índia e a Coreia do Sul. 

Os chineses usarão também o reforço dos laços económicos e militares com os países contíguos – Mianmar, Laos, Camboja e Vietname – para fazer girar o ponto de referência do rumo da ASEAN do consenso para a obediência.

O Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII – Asian Infrastructure Investment Bank), o Fundo Rota da Seda e a estratégia One Road, One Belt são compromissos tangíveis e de dimensão considerável que a China assumiu relativamente ao futuro territorial da Ásia.

A afirmação do domínio marítimo no Mar da China Meridional através de bases insulares e a autoproclamada Zona de Identificação Aérea são mais problemáticas.


Confronto

Assim se gera a terceira mudança estrutural – o Confronto – e, com ela, o perigo crescente de erros de cálculo. Com tantos aspetos do quadro geopolítico e geoeconómico em transição de um longo período de estabilidade para uma fase de agitação, existe o perigo não só de decisões erradas mas também de um rápido agravamento.

Os constantes esforços dos Estados Unidos para assegurar a liberdade de navegação no Mar da China Meridional, especialmente no contexto de um presidente errático e suscetível, criam um cenário de extrema instabilidade e uma situação puramente operacional, como o incidente da ilha de Hainan em 2001, poderá escalar rapidamente e transformar‑se num confronto mais alargado.

Além disso, as afirmações benevolentes de Trump sobre o Presidente Putin alarmaram a Europa Ocidental. Depois da eleição para a presidência dos EUA de 8 de novembro, a UE convocou uma reunião sem precedentes de Ministros dos Negócios Estrangeiros, com o objetivo específico de discutir as implicações da presidência de Trump para a Europa Ocidental.


Tons de Cinzento

Fragmentação, Calibragem e Confronto. Estas mudanças deverão implicar incertezas fundamentais que obrigarão os governos e as empresas multinacionais a reequacionar a exposição a riscos, bem como a procurar novas oportunidades.

Estas incertezas são mais evidentes por dizerem respeito a temas centrais e fundamentais há muito considerados estáveis – liderança mundial, quadros geopolíticos e globalização. Em questões em que, há várias décadas, havia um quadro a preto e branco vislumbram‑se agora vários tons de cinzento. 

Para as nações pertencentes à ASEAN, as oportunidades deverão ser encontradas na procura de formas de reforço dos laços com a China. As recompensas a esperar serão tangíveis e práticas, como o serão as penalizações. Além disso, os benefícios não estarão dependentes de «ligações» a questões espinhosas como a insistência em assegurar os direitos humanos, reduzir a corrupção ou garantir as liberdades políticas, como tem acontecido com os EUA.


O papel da China

No entanto, isto não significa que a China levará a sua avante. A liderança do Presidente Xi Jinping parece estar gradualmente a afastar‑se da regra dos 10 anos, pois poderá perfeitamente estar a criar condições para se tornar um líder perpétuo, agora que se consagrou como «Líder Central». 

É de esperar que, neste tabuleiro de xadrez, venhamos a assistir a movimentações de alto nível em 2017, à medida que Xi Jinping continue a consolidar a sua autoridade.

O setor financeiro chinês é bastante opaco e a sua relação com o modelo de crescimento dependente do investimento aumenta a exposição ao risco sistémico, num momento em que a economia continua a desacelerar. 

O excedente imobiliário em cidades secundárias poderá ser um fator de deflação da bolha de ativos constituída pelo mercado imobiliário chinês na generalidade.

Cada vez mais arrojados na afirmação da soberania e daquilo que consideram ser o seu lugar no cenário mundial, os chineses podem ir longe demais ao assumirem atitudes demasiado agressivas. 

Para muitos países, os perigos do recuo norte‑americano têm de ser equacionados por contraposição aos riscos de uma reação exagerada dos EUA a movimentações provocadoras da China.

É provável que estes macrorriscos sejam ocultados pelo desempenho dos mercados de capitais dos EUA e, em menor grau, pela economia real, que tem vindo a recuperar ao longo dos oito anos da administração Obama. 

Os mercados bolsistas deverão considerar a administração republicana um fator positivo para a economia e estão a definir os preços na expetativa de uma liberalização rápida e agressiva dos mercados por parte de Trump. 

Os setores financeiro e mineiro, em especial, estão preparados para ver aumentar a confiança do mercado nas suas previsões caso a reforma Dodd‑Frank seja revogada e sejam levantados os limites aplicáveis à indústria mineira com relação à gestão do clima.
As expetativas de que Trump irá lançar uma política fiscal expansionista, focada no défice e concentrada nas infraestruturas, irão estimular o empreendedorismo. O efeito multiplicador do investimento em infraestruturas – se for produtivo e não clientelista – poderá ser significativo.

Embora exista desconforto sobre a forma como Trump colocará a «América em primeiro lugar» – por exemplo, dissuadindo as empresas de recorrer à terceirização –, os potenciais custos a longo prazo para a competitividade e a receita pública perderão importância devido à euforia imediata resultante da crença de que estará a reconstruir a indústria americana e, assim, a «salvar empregos» e a «voltar a tornar a América grande».


Redefinição de panoramas

A perspetiva para 2017 é, pois, uma perspetiva de mudanças estratégicas convergentes no sentido de redefinir os panoramas geopolíticos e económicos a longo prazo. Estas mudanças vão aumentar as incertezas assim como os riscos. 
Os governos do mundo inteiro estão a atuar numa perspetiva de crise, em que se veem obrigados a repensar posições fundamentais e relações de longa data.

Tons de Cinzento interrompidos pela esporádica explosão da luz branca da crise continuarão a colorir a visão do mundo num futuro próximo.


Por Devadas Krishnadas, fundador e CEO do Future‑Moves Group


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