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Trivia: O iceberg e o Titanic

Trivia: O iceberg e o Titanic
No Dicionário, "lugar-comum é uma expressão derivada do latim locus comunis, nos tempos modernos assumindo o sentido pejorativo de expressão trivial, banal, que se repete frequentemente, sendo que, na retórica clássica, o conceito de lugar-comum possuía uma validade literária e discursiva, que o uso moderno rejeita, de associação de ideias (necessariamente já conhecidas pelo público, ou de outra forma a persuasão procurada seria inconsequente) permitindo orientar o interlocutor na compreensão (e convencimento) dos argumentos”.1 

Longe de mim querer adotar a "retórica clássica” do "lugar-comum”, pretendendo dar conteúdo literário às breves considerações que periodicamente me proponho fazer nesta coluna, ou ter propósitos de "orientar” e "convencer” os leitores. Não se tratará disso. O que proponho é retórica dos "tempos modernos”, isto é, teoria "trivial e banal, que se repete frequentemente”, mas que em grande número de vezes pouco se pratica. 

Constituem "lugares comuns” as práticas diárias, quer das pessoas quer das organizações, de serem impulsionadas por condutas não conformes nem com as melhores práticas de comportamento nem com os propósitos de segurança de forma a evitarem percalços. Ora, se estes fatores aleatórios de risco forem corretamente percecionados e previamente avaliados e quantificados, essa perceção, avaliação e quantificação mesmo que empíricas poderão contribuir para a contenção ou para a não ocorrência desses percalços ou pelo menos para minorar as suas consequências.

É neste contexto que é vulgar apresentar-se a alegoria do "iceberg” em que a sua parte submersa e "desconhecida” representa o verdadeiro risco à navegação, constituindo boa prática secular os navios evitarem as paragens geladas mesmo que para tal tenham que alterar rotas, apesar das embarcações serem as mais seguras e a mais velozes. Foi aliás ao contrariar estas boas práticas que o Titanic, na vanguarda da técnica e da segurança, foi ao fundo com grande parte dos seus passageiros e tripulação, que como é sabido nem sequer dispunham dos meios necessários e suficientes de salvamento, apesar de quase até ao final da tragédia, reinar um ambiente de grande confiança de invulnerabilidade na 1ª classe quando a 3ª classe já estava inundada, como recentemente, em forma de alegoria, referia um ilustre conferencista a propósito da crise que atualmente se vive. 

As lições a tirar do "Iceberg” e do "Titanic” são que não há "organizações perfeitas” nem "otimismos da 1ª classe” que, mais tarde ou mais cedo, fiquem incólumes ou indiferentes às consequências quer da falta de planeamento das contingências, quer às atitudes e comportamentos desviantes das boas práticas de quantificação permanente dos fatores de risco "conhecidos”, e de avaliação e perceção dos riscos "desconhecidos” ou por avaliar, de forma a tornar sustentáveis os objetivos e a esperança de saúde e sobrevivência futura das pessoas e das organizações.

Ora, na atual conjuntura de crise de valores, o desafio consiste precisamente na identificação das insuficiências decorrentes da gestão tradicional das organizações, tão mais evidentes à medida que forem sendo desvendados os comportamentos desviantes das boas práticas que determinaram as atuais incertezas e as suas consequências, e forem sendo determinadas as necessárias ações corretivas, estabelecendo e adotando os devidos procedimentos para controlar os limites de risco aceitáveis pelas organizações e transferindo para os seguros ou para outros mecanismos fiáveis de proteção financeira, a totalidade ou pelo menos uma parte dos riscos "submersos” que excedam o grau de tolerância considerado aceitável para a sustentabilidade das organizações. 
Adaptando e adotando o conhecido slogan, é o "risk management”, estúpido!


1 CEIA, Carlos (ed. e coord.) – E-Dicionário de termos literários 

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