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Este país não é para velhos

Ao contrário do que reza o título do filme dos irmãos Coen, "Este País Não É para Velhos", parece que o nosso mundo se torna cada vez mais um lugar habitado por pessoas de idade.

Por todo o mundo, à exceção de poucas regiões, os seres humanos vivem mais tempo mas têm menos filhos, exercendo uma pressão adicional sobre os sistemas de saúde. Com os nossos especialistas, descubra como a Europa, a América Latina e a Ásia estão a enfrentar estes desafios.

Este país não é para velhos
A preocupação sobre a forma de financiar os modelos de serviço no setor da saúde no futuro próximo é comum a países e continentes, crescendo a consciência de que os sistemas públicos devem ser apoiados por soluções privadas. Inevitavelmente, isto chama a atenção para aquela que é provavelmente uma das questões políticas e sociais mais complexas de sempre.
Para saber como essas regiões têm tentado responder a estes desafios e como vêem o futuro, a FULLCOVER falou com peritos da Europa, América Latina e Ásia – Ana Mota, da MDS Portugal, Gustavo Quintão da MDS Brasil e Julie Lim, da Acclaim Brokers em Singapura.


Quais são os papéis dos setores público e privado na proteção da saúde? Que serviços são fornecidos pelo Estado e pelo setor privado?

Ana Mota (AM): Na Europa, Docteur & Oxley1 e a OCDE2 identificaram três modelos de financiamento principais nos serviços de saúde.

Baseiam a sua classificação em critérios de financiamento público e privado e na relação contratual entre os prestadores e os pagadores dos serviços de saúde. Os modelos são:

·· Integração pública – financiamento público e prestadores públicos de serviços de saúde (os profissionais da saúde são, na maioria, funcionários do setor público)

·· Contratação pública – combina financiamento público através de impostos ou fundos da segurança social com prestadores privados

·· Seguro/prestador privado – entidades públicas contratam com prestadores de

serviços de saúde do setor privado.


Na maior parte dos países, os hospitais públicos e privados coexistem em proporções que variam. Por exemplo, na Europa do norte predominam os hospitais públicos, ao passo que no sul os serviços privados estão em crescimento.
A prestação de serviço é muito semelhante em ambos os setores, sendo alguns cuidados como os casos de pandemias, transplante de órgãos ou outras situações excecionais da responsabilidade exclusiva do estado. Recentemente, o setor privado expandiu a sua gama de serviços para 
incluir áreas que eram antes exclusivas do setor público.
Prevê-se que esta tendência, que é consequência direta do desenvolvimento do seguro privado de

saúde, se mantenha.


Gustavo Quintão (GQ): O continente sul‑americano é marcado por constantes transformações sociais, políticas, económicas e culturais, muitas delas recentes. Neste contexto, a oferta de saúde, entre outras políticas sociais, também é afetada. Saúde universal e de qualidade para toda a população é desejo de todos os países, os quais enfrentam barreiras similares para sua aplicação: administração de recursos, subfinanciamento e importantes mudanças demográficas.

No Brasil, temos o maior sistema público de saúde do mundo, citado diversas vezes como referência de modelo gratuito e universal. A Constituição do País, datada de 1988, estabeleceu o Sistema Único de Saúde (SUS), regido pelos princípios de universalidade, equidade e integralidade, determinando que "a saúde é um direito de todos e dever do Estado”.
No País, é livre a atuação da iniciativa privada por meio da Saúde Suplementar, na qual está contemplada 25% da população (cerca de 50 milhões de beneficiários). Ao contar com a cobertura do plano de saúde, o cidadão não perde o direito de ser atendido pelo SUS.


Julie Lim (JL): Como em muitos outros países em todo o mundo, os sistemas de saúde na Ásia são descoordenados e sofrem de várias complicações: excesso de utentes nos hospitais públicos, tempos de espera longos (já que o rácio paciente/profissional da saúde é muito elevado), profunda ineficiência e

complicação dos sistemas e diferenças na cobertura geográfica, com as áreas rurais a terem acesso a postos clínicos muito básicos. À medida que sobe o nível de vida da população, o desequilíbrio no rácio de profissionais clínicos nos hospitais públicos e privados continuará a crescer.
Dito isto, os modelos de cuidados de saúde na Ásia apresentam estruturas diversas, mas podem geralmente classificar‑se da seguinte forma:

·· Acesso universal à saúde prestado pelos setores público e privado

·· Cuidados públicos de saúde subsidiados para os cidadãos

·· Cuidados privados a oferecer serviços de primeira categoria.

O financiamento da saúde também varia, tipicamente vindo de três fontes principais:

·· Órgãos de governo central e local 

·· Contribuições obrigatórias individuais (ao abrigo da legislação da segurança social)

·· Seguros (do Estado ou privados).

Em Singapura, por exemplo, existe um sistema de cuidados de saúde público e integrado que presta serviços eficientes, em tempo útil e economicamente viáveis a todos os residentes, subsidiado para os cidadãos e residentes legais. Os serviços incluem cuidados primários, hospitalares, dentários, tratamentos de médio a longo prazo e medicina chinesa tradicional. Os hospitais e clínicas privados apoiam sobretudo residentes e turistas de outros países.

Na China, o setor público presta um serviço com base em taxas moderadoras, com limites definidos pelas autoridades locais de saúde. Os reembolsos são efetuados através de um esquema de seguro gerido pelo Estado, estando a partilha de custos e as despesas pagas pelo utente, tanto para os cuidados

primários como hospitalares, sujeitas a limites máximos. A infraestrutura dos cuidados de saúde públicos abrange os hospitais das vilas e comunidades, bem como médicos de aldeia e clínicas nas áreas urbanas e rurais.

As clínicas e hospitais privados existem sobretudo nas áreas urbanas e o seguro de saúde privado cobre pagamentos dedutíveis, co‑pagamentos e outras lacunas na partilha de custos.

A Indonésia tem um sistema diferente. Oferece cuidados de saúde gratuitos com apoio de hospitais privados e indústrias farmacêuticas semi‑privadas por via de um programa universal de seguro de saúde que coexiste com planos de seguro privado.



"O papel das seguradoras e intermediadores de serviços é de extrema importância devido à forma como estão inseridos no mercado e pelo seu potencial em analisar o cenário completo e propor ações corretivas que possam mitigar os riscos aos quais as empresas estão sujeitas"
Gustavo Quintão


Como é que os sistemas funcionam lado a lado? Oferecem alternativas às pessoas? Como se apoiam ou complementam entre si?

AM: Na Europa, em geral, os cidadãos podem optar por um sistema ou por outro. Por isso, na maior parte dos países o sistema é complementar, não alternativo. Há, contudo, diferenças significativas no nível de apoio do setor privado em cada país e o acesso a este serviço depende de se ter o dinheiro para adquirir seguros privados ou não.

GQ: Apesar de sua característica de modelo suplementar (o cidadão, ao ingressar em um plano de saúde, não perde o direito de ser atendido pelo setor público), o sistema de saúde privado no Brasil vem ganhando grande destaque, pois sua execução, especialmente em comparação com o serviço público, é muito superior em qualidade, tempo de atendimento e infraestrutura.

Ainda assim, a Saúde Suplementar também tem suas próprias barreiras a serem vencidas: os planos empresariais, que correspondem a cerca de 80% deste mercado, estão enfrentando dificuldades para continuar oferecendo assistência médica como um benefício devido ao constante aumento de custos – de 8 a 10 pontos percentuais à frente da inflação geral do País. Por outro lado, o plano de saúde é um dos benefícios mais requisitados e importantes para os colaboradores, o que reitera a importância de as empresas manterem sua oferta.


JL: Tendo em conta a dimensão da população asiática, não é surpresa que os cuidados de saúde se considerem o mercado em mais rápida expansão no mundo (impulsionado pela população em rápido envelhecimento e uma classe média afluente em crescimento) e os governos já estão a adotar ou pensar adotar planos de seguros para apoiar um sistema de saúde universal mais integrado.
Para que qualquer plano de seguro de saúde a nível nacional seja sustentável, os sistemas de saúde públicos terão de cumprir padrões mínimos ao nível das instalações técnicas e prestação de serviços. Isto permitir-lhes-á funcionar paralelamente aos cuidados de saúde privados e evitará a utilização

excessiva das instalações privadas. Como sabemos, os setores público e privado têm objetivos muito diferentes, o que torna qualquer aliança entre ambos um desafio.

Sendo a proteção da saúde assegurada pelo Estado, existe acesso universal e gratuito? Há custos envolvidos?

AM: Na Europa, o acesso tende a ser universal, incluindo modelos com co‑pagamentos mais elevados do que outros. Na Europa do Norte, o sistema é quase inteiramente gratuito, ao passo que nos países do sul se pratica o co‑pagamento nos setores público e privado (no caso do seguro de saúde).

GQ: No Brasil, o financiamento do sistema público ocorre única e exclusivamente por meio da arrecadação de impostos gerais, com a participação dos municípios, estados e da União. Na Saúde Suplementar, o seguro saúde é voluntariamente pago pelo contratante (pessoa física, jurídica ou entidade de classe).

Um caso diferente do brasileiro, na América do Sul, é o Chile. No país, o cidadão contribui com 7% do seu rendimento para o sistema de saúde, o que lhe permite a escolha entre o público e o privado. A saúde pública é fornecida por meio do FONASA (Fondo Nacional de Salud) e a privada por meio das ISAPREs (Instituciones de Salud Previsional). Este último possui caráter substitutivo, não complementar, o que significa que uma vez feita a adesão ao sistema privado, não há cobertura para o sistema público.

JL: Varia por país. Na Malásia, por exemplo, o sistema de saúde universal é assegurado por um sistema público subsidiado que chega ao utente através de uma rede de clínicas e hospitais primários. O Estado é o principal fornecedor de cuidados de saúde públicos, com financiamento através de impostos.
Em Singapura, todos os cidadãos e residentes legais são abrangidos pelo Programa Nacional de Cuidados de Saúde, que é pago pelo seu fundo de segurança social (e parcialmente co‑financiado pelas contribuições dos seus empregadores).
A China tem um sistema completamente diferente, já que a maior parte das instalações clínicas e hospitalares são asseguradas pelo setor público. Os hospitais públicos são, portanto, fortemente financiados pelo Estado. Não há tratamento médico gratuito, a não ser em emergências e casos de vida ou morte.
Os seguros de saúde são administrados pelo governo, com 
contribuições por parte do trabalhador e do empregador. Os cidadãos devem pagar o remanescente e contribuir para o custo do tratamento.


Quais são os vossos modelos operacionais e financeiros para o sistema de saúde – i.e., hospitais e centros de saúde vs. cuidados domiciliares – e o financiamento processa‑se através de impostos, co‑pagamentos, etc.?

AM: Mais uma vez, os modelos variam consoante a geografia. Na Europa do Norte, temos sobretudo cuidados domiciliários financiados pelo sistema público ao passo que, na Europa central e do sul o modelo é mais apoiado por hospitais, centros médicos, clínicas públicas e privadas, etc.
Quanto ao financiamento, no norte é assegurado pelas contribuições fiscais e da segurança social. Noutros lugares é um misto de impostos, segurança social, co‑pagamentos e seguros privados.

GQ: No serviço público de saúde brasileiro, uma vez que o acesso é gratuito e universal, não há custos diretos para os usuários (o financiamento acontece via impostos). Para a Saúde Suplementar, o custeio varia conforme o contrato, podendo ocorrer em forma de contribuição (taxa fixa mensal) ou de fatores moderadores, como modelos de coparticipação e franquia (nos quais cada utilização acarreta um custo adicional).

JL: Na Ásia, os cuidados de saúde são prestados por instituições médicas devidamente acreditadas e reconhecidas. Os cuidados domiciliários não são comuns já que existem várias soluções alternativas, como as casas de repouso, centros de cuidados paliativos, lares da terceira idade e centros residenciais para doentes crónicos.
A filosofia do governo sobre o financiamento do sistema
de saúde sempre partiu do princípio de que as pessoas devem ser parcialmente responsáveis pelos custos dos cuidados de saúde que recebem. Assim, o sistema de saúde é financiado por impostos, deduções salariais e co‑seguro com pagamento em excesso.



Qual é o papel e importância do setor segurador?

AM: Por causa das diferenças nos sistemas nacionais de saúde e de segurança social, o papel do seguro de saúde privado difere significativamente entre países. Na Europa assume quatro formas básicas:

·· Adicional – complementar e suplementa– seguro de saúde voluntário complementa o que é obrigatoriamente garantido pelo Estado3

·· Substituição – o seguro substitui o sistema de saúde com financiamento público

·· Duplicação – o seguro opera como alternativa privada em paralelo com o sub‑sistema público (como no R.U. e Espanha)

·· Obrigatório – regimes de saúde privados, como o holandês e o suíço, incluem alguns aspetos públicos e cobertura complementar totalmente privada.

GQ: O papel das seguradoras e intermediadores de serviços é de extrema importância devido à forma como estão inseridos no mercado e pelo seu potencial em analisar o cenário completo e propor ações corretivas que possam mitigar os riscos aos quais as empresas estão sujeitas. Além disso, devido à necessidade de reorganização do sistema por conta do crescente aumento de custos, conforme exposto acima, sua atuação em caráter consultivo está se tornando cada vez mais relevante.

JL: Os seguradores podem assumir um papel mais relevante nesta área: devem estudar e analisar que financiamentos e serviços de saúde do estado estão disponíveis e desenvolver produtos de seguro que se dirijam às lacunas na cobertura de saúde.
Isto eliminará o desperdício de fundos estatais nos serviços nacionais de saúde, na despesa dos empregadores em seguro de saúde empresarial e os consumidores não terão de pagar desnecessariamente por serviços de saúde.

O seguro de saúde baseia‑se num sistema de cuidados de saúde controlados ou ainda é um sistema assente no reembolso? Os seguradores têm as suas próprias unidades clínicas?

AM: Na maior parte dos países existe um sistema misto ou de cuidados controlados. Em certos países, como Espanha, os seguradores têm as suas próprias unidades, clínicas e Portugal tende a fazer o mesmo.

GQ: Atualmente, no Brasil, existem diferentes modalidades de planos de saúde privados. Todos oferecem rede de atendimento (seja credenciada, própria ou mista) e a maioria oferece também a possibilidade de reembolso para a utilização de prestadores que não se encontram na rede disponibilizada.
O uso do seguro via reembolso é mais atraente e muitas vezes somente disponibilizado para os planos superiores, já que geralmente o ressarcimento 
é integral ou quase integral. Para os planos inferiores, o reembolso é menor e em geral não compensa para o usuário, que terá que arcar com o restante da despesa.


JL
: Os seguros de saúde ainda são essencialmente geridos de duas formas: através de um sistema de managed care e de sistemas de reembolso. 

O sistema de managed care é usado essencialmente em programas com prémios de baixo valor, em que os serviços médicos são monitorizados de perto. O sistema de reembolso é normalmente oferecido em programas de seguro pagos pelos empregadores, permitindo aos trabalhadores obter tratamento dos profissionais da sua escolha.

Os seguradores não possuem, habitualmente, as suas próprias unidades clínicas ou instalações médicas.
Há prestadores de serviços médicos e grupos hospitalares plenamente estabelecidos na região, que oferecem instalações e serviços da mais alta qualidade. Por exemplo, a Fullerton Healthcare, que tem sede em Singapura, opera em quatro mercados no sudeste asiático e na Austrália. 
A empresa oferece cuidados primários e tem hospitais e clínicas que 
praticam preços inferiores aos dos hospitais públicos. A KPJ Healthcare, um grande gestor de instalações médicas na Malásia, trata pacientes segurados em condição "estável”.

Gerir unidades clínicas não é parte nuclear dos negócios dos seguradores privados. Preferem formar parcerias com prestadores de serviços médicos e oferecer aos consumidores serviços de primeira classe a custos controlados.

"A Europa é um continente em rápido processo de envelhecimento, pelo que este assunto devia ser uma das maiores prioridades. O envelhecimento da população e os custos médicos crescentes, juntamente com as novas tecnologias médicas, representam grandes desafios para os seguradores e a comunidade em geral"
Ana Mota


Encarando o futuro – como é que os países pretendem lidar com a questão do envelhecimento e com os custos de saúde associados à provisão de cuidados a longo prazo?

AM: A Europa é um continente em rápido processo de envelhecimento, pelo que este assunto devia ser uma das maiores prioridades. O envelhecimento da população e os custos médicos crescentes, juntamente com as novas tecnologias médicas, representam grandes desafios para os seguradores e a comunidade em geral.
Isto resultará provavelmente num aumento das soluções do setor de seguro privado – especialmente nos cuidados de longo prazo – mas a sua sustentabilidade dependerá da contribuição do setor público.
Até agora, não houve desenvolvimentos significativos nesta área na maior parte dos países. De modo a encontrar uma solução sustentável e eficiente, deve promover-se uma discussão política entre todas as partes afetadas. As poucas soluções existentes operam de forma isolada e na maior parte dos casos são insuficientes.


GQ:
Tendo em vista, principalmente, os avanços tecnológicos e em medicina, estamos vivendo uma era de aumento de expectativa de vida. Neste contexto, surge uma importante preocupação: como cuidar das pessoas para que elas envelheçam de forma saudável? 
Tratamentos de alta complexidade representam forte impacto no orçamento dos sistemas de saúde e, uma vez que o indivíduo mantém hábitos de vida adequados, esse impacto futuro é consideravelmente minimizado.
Pensando nisso, estratégias de atenção primária, voltadas para promoção e prevenção em saúde, são cada vez mais comuns. Por exemplo, a medicina de família, que perdeu espaço diante da valorização dos médicos especialistas, está sendo considerada como um modelo para minimizar o impacto de aumento de custos, devido à sua característica de atenção em saúde integral e a longo prazo.
A barreira para sua aplicação é, acima de tudo, cultural. Temos uma população que privilegia a consulta com médico especialista por acreditar que o atendimento será melhor, o que não é necessariamente verdade.
Estudos
revelam que um médico de família consegue resolver mais de 80% dos casos e, quando precisa remeter o paciente a um especialista, o faz de maneira mais informada, ou seja, considerando sua necessidade real.

JL: Com uma população de 4,5 mil milhões e ainda a crescer (dados de 2018), a Ásia é a maior e mais populosa região do mundo. A sua população quase quadruplicou durante o séc. XX e a Deloitte calcula que, até 2030, cerca de 60% da população global total com 65 anos ou mais residirá na Ásia.
Este facto, associado a uma prosperidade crescente que fez surgir uma classe média abastada e cada vez mais numerosa, está a causar um desequilíbrio nos ecossistemas dos cuidados de saúde públicos e privados.

De facto, os clientes afluentes da Ásia deverão aumentar neste século e esperarão mais dos seus serviços de saúde. A prosperidade crescente também cria problemas nos cuidados de saúde; as mudanças de hábitos como o estilo de vida sedentário e as preferências alimentares contribuem para as doenças modernas, fazendo subir os custos dos cuidados de saúde. Outro efeito da prosperidade dos clientes é o consumo excessivo de seguros. 
Os produtos de seguro de saúde que oferecem benefícios muito "ricos” ou abrangentes são populares junto das populações com maior poder aquisitivo, criando um efeito comportamental adverso.
Com coberturas de seguro mais amplas, os consumidores tendem a usar mais serviços de saúde, submetendo‑se, por exemplo, a exames médicos desnecessários, ou não definem um orçamento realista para as suas despesas médicas. Estes custos acabam por subir os prémios de seguro a longo prazo.


Que soluções estão a implementar e que impacto terão elas no setor segurador?

AM: De momento não existem propriamente soluções adequadas, mas o setor segurador tem um papel importante a desempenhar no que toca a encontrar respostas juntamente com os governos e outros stakeholders.
As políticas
demográficas podem ter contributos relevantes a prestar, mas em vários países europeus (Portugal incluído) as taxas de fertilidade pouco ultrapassam um filho por mulher, pelo que o futuro parece negro nesta área.


GQ: Um bom exemplo de tecnologia que tem apoiado o setor de saúde é o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP), sistema que registra informações médicas dos pacientes e tem capacidade de interoperabilidade com outras plataformas. O PEP contribui para a qualidade da assistência prestada, já que registra todos os cuidados pelos quais o paciente está passando.

Outra tecnologia que tem ganhado espaço é a telemedicina, que traz vantagens como confiabilidade, agilidade de atendimento e, mais uma vez, aumento da qualidade da saúde ofertada a quem necessita. Todas essas soluções, quando postas em prática, representam um importante impacto na redução de desperdícios.

JL: Se pensarmos no futuro, vemos que a paisagem da saúde assenta sobretudo em parcerias, interação e inovação. Todas as partes afetadas no sistema de saúde, incluindo os governos, terão de colaborar ainda mais para reduzir o desperdício e o peso financeiro – em áreas desde a criação de políticas ao desenvolvimento de produto.
É previsível que os avanços nos cuidados de saúde e nas tecnologias digitais possam colmatar as falhas de comunicação entre todos os participantes no sistema de saúde, acelerando

a transmissão e acessibilidade de dados para estudo analítico e inovação nos produtos.

 

Como é que as novas tecnologias afetarão os seguros de saúde, especialmente do ponto de vista do custo?

AM: Podemos ver este assunto de duas perspetivas diferentes: por um lado, novas tecnologias para tratamento, ou novos procedimentos diagnósticos e cirúrgicos que aumentam inevitavelmente os custos a curto prazo; mas que permitem o diagnóstico precoce e ajudam a prevenir custos futuros que inevitavelmente teriam lugar, devidos a procedimentos cirúrgicos complexos e tratamentos custosos. 
Depois há a telemedicina, que dá acesso mais rápido e barato aos cuidados de saúde, por exemplo, eliminando a necessidade do paciente de recorrer aos serviços de emergência em 60% dos casos ou, numa percentagem ainda maior, substituindo uma segunda consulta.
Neste
caso, como os pacientes se automonitorizam, tendem a adotar medidas mais preventivas, a tecnologia contribuirá para a redução de custos a médio e longo prazo.

GQ: No setor privado, ferramentas tecnológicas permitem a antecipação de riscos futuros e têm sido de grande valia na redução de custos e otimização de recursos.
Hoje, algoritmos de
machine learning conseguem prever com boa assertividade grupos de indivíduos com alta probabilidade de desenvolvimento de determinada patologia no futuro. Com esse tipo de solução, saímos de uma atuação que há anos tem olhado para o retrovisor para, a partir de agora, olhar para frente e tentar solucionar e reverter problemas de saúde com muito mais eficiência e de forma inteligente.


JL: A indústria da saúde não é poupada nesta era da revolução digital e as inovações digitais na saúde vão certamente desempenhar um papel significativo. Usar dados para prestar cuidados de forma eficiente e eficaz melhora os resultados do tratamento, ajuda os seguradores a evitar exames e tratamentos desnecessários e portanto minimiza os custos a longo prazo.
Além disso, as aplicações móveis, de fácil utilização pelo paciente, vão ajudar as pessoas a controlar e responsabilizar‑se pela sua saúde. As aplicações móveis apresentam um sem‑fim de oportunidades, intervenção precoce na saúde e soluções de saúde para consumidores e prestadores de serviços.

"A colaboração com os governos e todas as partes afetadas no ecossistema da saúde é crucial para a sustentabilidade dos custos dos cuidados de saúde e é da maior importância que todos trabalhem juntos para atingir objetivos comuns"
Julie Lim


Que papel têm os seguradores desempenhado na educação para a saúde e até que ponto acham isto importante?

AM: Já há algum tempo que os seguradores entenderam que ser proativo na prevenção é eficaz para o controlo de custos (ao invés de pagar os tratamentos após a descoberta de uma doença mais avançada). Atualmente, por exemplo, as apólices de seguro de saúde cobrem os check ups regulares, totais ou parciais. Na nossa opinião, os seguradores deviam assumir um papel mais ativo na educação para a saúde, especialmente na promoção de hábitos saudáveis.

GQ
: Segundo a Universidade de Stanford, a saúde de uma pessoa é determinada principalmente pelos seus hábitos de vida (53%), seguido por meio ambiente (20%), genética (17%) e por último assistência médica (10%).
Por mais que ferramentas tecnológicas tragam incontáveis oportunidades de melhoria nos sistemas de saúde e na entrega de serviços, os principais agentes de transformação ainda são as pessoas e suas escolhas.

Apesar de os fornecedores de saúde serem importantes na oferta de ferramentas e recursos para que a população se cuide, as barreiras dificilmente serão vencidas sem o protagonismo e comprometimento individual de cada um. Neste contexto, nota‑se como a educação desempenha um papel fundamental em toda a cadeia de oferta de saúde.

JL
: Os seguradores não desempenham um papel ativo na educação para a saúde, já que não existe rubrica orçamental para executar campanhas a nível nacional ou estatal. A educação pública para a saúde é ativamente promovida pelos ministérios da saúde em cada país. 
No setor privado, os seguradores formam parcerias com prestadores independentes de cuidados de saúde ou patrocinam campanhas de marketing dedicadas a públicos específicos.
Estas seguem frequentemente as recomendações dos governos relativas aos programas de saúde ou devem‑se à implementação de leis ou políticas específicas. 
A colaboração com os governos e todas as partes afetadas no ecossistema da saúde é crucial para a sustentabilidade dos custos dos cuidados de saúde e é da maior importância que todos trabalhem juntos para atingir objetivos comuns. 




1. DOCTEUR, Elizabeth, OXLEY, Howard – Health‑Care Systems: lessons from the reform experience. OECD Health Working Papers [online]. N. 374 (December 10, 2003). Disponível em:

https://ssrn.com/ abstract=1329305

2. OECD – Private Health Insurance in OECD Countries. Paris: OECD, 2004. ISBN 9789264007451

3. INSURANCE EUROPE – European Insurance in Figures – 2016 data. Brussels: Insurance Europe, 2018.




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