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Indemnização por cessação do contrato de mediação de seguros

por Maria Inês MartinsUniversidade de Coimbra

Indemnização por cessação do contrato de mediação de seguros

As exigências colocadas pela recente Diretiva de Distribuição deSeguros colocaram a distribuição deseguros sob as atenções gerais, no que diz respeito à relação entredistribuidores esegurados e às maiores responsabilidades impostas aos distribuidores.

Jáoutros aspetos da distribuição de seguros escaparam à intervenção da Diretiva.Foi o caso, em particular, da relação entre mediadores e seguradores que, não obstante,levanta questões importantes, que os Estados‑membros tratam de forma diferentee que, em certos casos, ainda não obtiveram respostas satisfatórias.

Uma delasprende‑se com odireito de indemnização conferido aos agentes de seguros após a cessação docontrato com o segurador.

ADiretiva da agência (Diretiva do Conselho 86/653/CEE, de 18 de dezembro de1986), tratou este problema no que tocaaos agentes comerciais com poderes para negociar a compra ou venda de bens porconta, ou em nome e por conta, do mandante (art. 1.º).

Ao abrigo das suasdisposições, os Estados‑membros devem implementar um sistema que proteja osagentes comerciais após a cessação do contrato, concedendo‑lhes o direito a uma"indemnização” ou a uma "reparaçãopor danos” (art. 17.º). Este diploma não se aplica aos contratos dedistribuição de serviços e, portanto, não contempla a relação entre os seguradorese seus agentes.

Noentanto, alguns Estados‑membros usam os quadros gerais da Diretiva da agênciapara regular o contrato entre seguradorese respetivos agentes. Não o fazem, porém, de um modo convergente. É o caso dasleis portuguesa e alemã: ambas optam por um sistema de indemnização do agente,mas configuram‑no emtermos bastante diferentes.

EmPortugal, a questão é enquadrada pelo Decreto‑Lei n.º 144/2006, que dispõe que "omediador de seguros tem direito a uma indemnização de clientela, desde quetenha angariado novos clientes para a empresa de seguros ou aumentado substancialmenteo volume de negócios com clientela já existente e a empresa  de seguros venha abeneficiar, após a cessação do contrato, da atividade por si desenvolvida”(art. 45.º).

Idêntica formulação é usada na proposta de Lei da Distribuição deSeguros, que transporá a Diretiva de Distribuição de Seguros (art. 55.º). Estecritério é exatamente o previsto na Diretiva da agência, art. 17.2.

Por sua vez, as normas alemãs que regulam a matéria fazem parte doregime geral dos agentes comerciais constante do Código Comercial (§89b HGB) e adaptam o critério definido naDiretiva da agência, determinando que o agente de seguros tem direito a indemnização se, e na medida em que,tenha angariado, em vez de nova clientela, novos contratos de seguro para osegurador ou tenha levado ao alargamento do âmbito de um contrato de seguro jáexistente, de modo economicamente equivalente à angariação de um contrato novo,desde que o segurador derive benefícios relevantes desta atividade apóscessação do contrato (§89b,(5) HGB).

A diferença entre estas disposições é reveladora, lançando luzsobre as vantagens que a atividade do agente de seguros pode continuar a gerar para o segurador‑principal, após acessação do contrato de agência.

De facto, no que toca à compra e venda de bens, os ganhoseconómicos gerados pelo agente dependem da angariação de novos clientes,havendo a expectativa de  que alguém quese tenha tornado cliente do principal volte sucessivamente no futuro a adquiriro mesmo tipo de bens ao mesmo fornecedor.

O mesmo raciocínio económico não procede, porém, para a angariaçãode contratos de seguro, já que neste caso não é expectável que um novo cliente‑tomador, só pelo factode ter celebrado um primeiro contrato com aquele segurador, venha a celebrar repetidamente com ele outroscontratos de seguro em ocasiões futuras.

Pelo contrário: neste contexto, a celebração de cada novo contratode seguro pelo mesmo cliente depende sensivelmente de um esforço de angariação idêntico, já que ocliente tem que ser estimulado a adquirir novas coberturas.

Por sua vez, as vantagens que a atividade do anterior agente deseguros gera para o segurador não assentam na angariação de nova clientela, massim de novos contratos (ou porventura no alargamento do âmbito de contratos existentes), mesmo com segurados que já fossem clientes dosegurador: consistem nos prémios de seguro que serão pagos no futuro ao abrigo dos contratos de seguroangariados.

Esta comparação evidencia que a aplicação de disposições de umaDiretiva sobre distribuição de bens não faz justiça ao agente que angarie contratos de seguro. Neste caso, oimportante é a aquisição de novos contratos, não de novos clientes.

A normaalemã, mencionada acima, oferece um critério bem mais satisfatório decompensação pelas vantagens continuadas de que o segurador‑principal continuaráa fruir após a cessação do contrato de agência, e que são resultantes daatividade do agente.

O legislador português mostrou‑se lamentavelmente pouco motivado paraaproveitar a revisão do quadro de distribuição de seguros trazida pela Diretiva de Distribuiçãode Seguros, de forma a estabelecer um critério satisfatório para esta questão.

A inércia advirá, possivelmente, de falta de identificação doproblema, que tem merecido pouca atenção.

Possam porventura estas linhas breves alimentar o seu debate. •

 


Maria InesMartins

É Professora de Direito na Faculdade de Direito da Universidade deCoimbra. É membro do Instituto Jurídico da Universidade e consultorajurídica em Portugal e no Brasil. É docente em vários cursos de pos‑graduacaoem Direito dos seguros e Direito da medicina, palestrou em diversos países eescreveu vários artigos sobre Direito dos contratos (em geral, e em especialsobre o contrato de seguro), Direito da responsabilidade civil e Direito comercial.

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