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Os sistemas de saúde e os desafios do envelhecimento

Os sistemas de saúde e os desafios do envelhecimento

Umasociedade moderna e justa tem de garantir o direito à saúde de forma equitativa através de sistemas de coberturageral e de acesso universal.

Emdemocracia não são aceitáveis dificuldades ou barreiras que limitem o acesso acuidados de saúde adequados, em tempo oportuno e em função das necessidades doscidadãos.

Osucesso dos sistemas de saúde encontra‑se hoje fortemente ligado à inovaçãoe ao progresso tecnológico resultantes de uma forte dinâmica da investigaçãogeradora de conhecimento científico. Com efeito, são impressionantes osavanços, nomeadamente, no domínio da genética com a emergência de áreas deelevada sofisticação tecnológica de que são exemplo a nanotecnologia e a farmaco‑genomica.

Arevolução tecnológica transformou, por completo, a realidade dos sistemasde saúde, em todo o mundo. Cada vez mais se afirma uma poderosa correlaçãoentre inovação e desenvolvimento. Ao mesmo tempo assistimos a uma profundatransformação dos padrões da demografia e da distribuição da doença.

Oparadigma da doença aguda tem vindo a ser, progressivamente, substituído peladoença crónica.

Algumasdas doenças transmissíveis mais relevantes viram o seu perfil epidemiológicoprofundamente alterado. A infeção pelo VIH SIDA transformou‑se numa doença crónica controlávelenquanto outras doenças transmissíveiscom elevado impacto  na morbilidade emortalidade, como ahepatite C, viram o seu prognóstico alterado de forma disruptiva.

Nosúltimos anos, nos países desenvolvidos, tem vindo a ser identificado um padrãode evolução demográfica que se pode caracterizar como uma marcha progressiva esilenciosa a caminho de uma sociedade cada vez mais envelhecida e com um maiornúmero de cidadãos dependentes.

Aevolução dos sistemas de saúde está cada vez mais dependente de fatores externosà sua própria organização e modelo de resposta. Os custos associadosà inovação terapêutica e tecnológica representam um desafio à sustentabilidadedos sistemas de saúde tornando, cada vez mais difícil, a definição deprioridades nas políticas de saúde.

Atransição demográfica assume proporções muito relevantes na reconfiguraçãosocial e económica dos países. O envelhecimento da populaçãoestá a ocorrer a um ritmo muito acentuado. Em 2020, o número depessoas com 60 ou mais anos ultrapassará o número de crianças menores de 5anos. Entre 2015 e 2050, a proporção da população mundial com mais de 60 anosquase duplicará de 12% para 22%.

EmPortugal, desde o início da década de noventa, registou‑se um aumento de35% na população com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos e umadiminuição, superior a 20%, dos jovens e das crianças com idade inferior avinte e cinco anos. Em Portugal, em 2060, a população residente passará, dosatuais 10 milhões, para cerca de 8,6 milhões de pessoas, passando o índice de envelhecimentode 131 para 307 idosos por cada 100 jovens. Num prazo de cinquenta anos éprevisível que a população com idade superior a sessenta e cinco anosrepresente o dobro do que se verifica atualmente, com as inevitáveisconsequências no sistema de saúde e de proteção social.

Nosúltimos 40 anos, o mundo mudou, a sociedade transformou‑se, as necessidades em saúdetornaram‑semais complexas e a competição pelosrecursos ficou, cada vez, mais difícil. A sustentabilidade do sistema desaúde passou a depender, cada vez mais, do desempenho da economia e,consequentemente, da maior ou menor disponibilidade na captação de recursos.

É por isso essencial discutir a questão do financiamento e da sustentabilidade doSNS, no médio e no longo prazo. A eterna equação de difícil resolução: comogarantir o financiamento das políticas públicas de saúde de formasustentável eduradoura assegurando a sua modernização e diferenciação, com recursos humanosvalorizados, e o acesso à inovação tecnológica.

As políticas de saúde dizemrespeito a todos e têm implicações que se estendem por muitas gerações. Nestequadro emerge um novo dilemana gestão de equilíbrios onde se cruzarão as limitações orçamentais com osimperativos éticos e humanos.

A questão central passa por consciencializartodos os intervenientes no processo de que a repartição dos recursos, para ser   solidária, tem de ter em conta escolhas baseadasna definição criteriosa de prioridades. Neste sentido a expressão "think globally act locally” ganha espaço ao estimular aindispensável integração de cuidados fundamental para que o cidadão possa vir aestar no centro do sistema.

Umfuturo sustentável requer um planeamento adequado de infraestruturas,equipamentos e recursos humanos tendo em conta a transição demográfica, o pesoda doença crónica, o acesso à inovação terapêutica e tecnológica, as intervençõesem saúde pública, bem como a indispensável participação dos cidadãos.•


Adalberto Campos Fernandes

Doutoradoem Administração da Saúde, pelaUniversidade de Lisboa, Mestre emSaúde Pública pela Universidade Novade Lisboa, Licenciado em Medicinapela Universidade de Lisboa.Atualmente é Professor da EscolaNacional de Saúde Pública daUniversidade Nova de Lisboa. FoiMinistro da Saúde do XXI Governo Constitucional(2015‑2018).

 



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