Fullcover

Riscos de regulação e o seu impacto no setor ressegurador

Tendências protecionistas na América Latina e na Ásia

Riscos de regulação e o seu impacto no setor ressegurador
Nos últimos anos, os resseguradores têm vindo a centrar cada vez mais as atenções nos chamados «riscos de regulação». Habitualmente, estes riscos surgem sempre que se verifica uma alteração inesperada no quadro regulamentar e de supervisão de um estado, que poderá ter um impacto negativo no setor ressegurador. Em muitos países, estas alterações de regulamentação são movidas pelo desejo de proteger os mercados nacionais.

Na última década, embora as medidas protecionistas tenham afetado o mercado global de resseguro, foi na América Latina e na Ásia que o impacto de medidas deste tipo foi mais sentido. Especificamente nestas regiões, os resseguradores são obrigados a repensar as suas estratégias de negócio multinacional, sobretudo no que respeita à oferta de proteção local.

Phillip Schulz e Shivaun Moreno, da Hannover Re, analisam as tendências protecionistas que afetam o setor ressegurador na América Latina e na Ásia.


América Latina

No Brasil, apesar de o monopólio do IRB Brasil Resseguros S.A. ter terminado em 2008, o quadro legal continua a ser restritivo para os resseguradores estrangeiros. No novo regime, existem três tipos de autorização para as companhias de resseguro: resseguradores locais (com sede local), resseguradores autorizados (com agências subsidiárias) e resseguradores eventuais (sem representação legal ou capital investido no país e com limitações relativamente às coberturas que podem oferecer).

De início, os resseguradores locais tinham o «direito de primeira recusa», o que significava que as seguradoras locais eram obrigadas a disponibilizar uma transferência de pelo menos 60% do total dos prémios para estes resseguradores. Atualmente, as seguradoras locais são obrigadas a colocar junto destes pelo menos 40% de cada risco a ressegurar.
 
Numa primeira fase a colocação de risco intragrupo era proibida. Esta regra foi parcialmente levantada em 2011, tendo se permitido que os seguradores e resseguradores locais transferissem o risco de até 20% do prémio para companhias do mesmo grupo financeiro, ainda que sediadas no estrangeiro.

Recentemente, estas restrições foram suavizadas. Em 2015, os limites à transferência de prémios intragrupo foram alargados de 20 para 75% e o nível de resseguro obrigatoriamente colocado junto dos resseguradores locais baixou de 40% para 15%. Estas propostas serão gradualmente implementadas ao longo de cinco anos.

Na Argentina, depois da liquidação da empresa monopolista de resseguro INDER (Instituto Nacional de Reaseguros), o regime permitiu que os resseguradores estrangeiros operassem a partir do seu país de origem, quer através de registo junto do regulador quer através de um corretor autorizado.
 
No entanto, seguindo a tendência brasileira, em 2011 o regulador argentino proibiu quase todas as operações de resseguro transfronteiriças, autorizando os resseguradores a fazerem apenas negócios locais: as companhias de seguros locais foram obrigadas a ceder riscos de resseguro apenas a resseguradores locais, e os resseguradores autorizados ficaram limitados aos resseguradores locais em termos de retrocessão. À semelhança do Brasil, as transferências do risco intragrupo ficaram limitadas a 40% do prémio anual e os resseguradores locais tiveram de reter pelo menos 15% do prémio de resseguro que lhes era pedido.

Agora, com a mudança de governo, também a Argentina está a reabrir o mercado aos resseguradores estrangeiros. A partir de 1 de janeiro de 2017 será permitida aos seguradores locais a cedência de 10% dos seus prémios diretamente a resseguradores autorizados; uma percentagem que aumentará gradualmente para 80% ao longo de um período de oito anos.

Em 2014 nova regulamentação no Equador implicou a redução da saída dos prémios de resseguro do país. Foram definidas percentagens máximas de transferência de risco para certas linhas de negócio, tendo sido proibido o resseguro através de soluções ART1; foi igualmente introduzida uma comissão mínima básica para contratos de resseguro de quota-parte. 


Ásia 

Tal como acontece no Brasil e na Argentina, o regime de regulação de regulação de resseguro na Índia define de riscos em resseguro para os seguradores nacionais. No âmbito do sistema indiano, os seguradores nacionais deverão oferecer todo e qualquer negócio de resseguro em primeiro lugar aos resseguradores nacionais.
 
Se estes não aceitarem, os seguradores indianos são autorizados a oferecer o negócio a resseguradores estrangeiros com agências locais na Índia. Se estes rejeitarem o negócio, os seguradores nacionais podem transferir o risco para outros resseguradores estrangeiros. O sistema estabelece, de facto, um direito de preferência para os resseguradores nacionais e de um direito de aceitação secundária para resseguradores estrangeiros com presença estabelecida na Índia.
 
Em comparação com os modelos da América Latina, o sistema indiano parece menos rígido no que respeita às restrições de resseguro local. Uma vez que existem poucos resseguradores na Índia (a General Insurance Corporation of India Re é atualmente a única grande empresa do setor), as ofertas iniciais podem chegar ao segundo nível – resseguradores estrangeiros com uma agência local. As companhias que quiserem investir numa agência local estarão, pois, bem posicionadas para receber uma parte considerável dos negócios de resseguro da Índia.
 
Em contraste, a lei Indonésia adota um regime mais estrito e mais protecionista; os seguradores locais são obrigados a colocar 100% dos chamados «riscos simples» exclusivamente junto dos resseguradores nacionais. Entre estes riscos contam se o seguro de saúde e de acidentes bem como os seguros de crédito e caução.

Pelo menos 25% dos outros «riscos não simples» têm de ser transferidos para resseguradores locais. Não existem exceções, pelo que os resseguradores estrangeiros são obrigados a fazer negócios por meio de retrocessão.

Outros países asiáticos têm em consideração os modelos indiano e indonésio, que poderão tornar se mais comuns no futuro. O governo do Vietname, por exemplo, anunciou a intenção de criar um sistema regulatório semelhante ao indiano ou ao indonésio num futuro próximo e, embora este sistema ainda não tenha sido estabelecido, é só uma questão de tempo. 


Perspetiva

Embora o protecionismo seja hoje em dia a base da regulação no setor ressegurador, as tendências protecionistas que influenciam os regimes da América Latina e da Ásia são muito diferentes.

A intensidade das medidas protecionistas da América Latina parece estar ligada às preferências de administrações políticas em mudança e, como consequência, os novos governos da Argentina e do Brasil aligeiraram as regulações e espera se que continuem a fazê lo. No entanto, os modelos de protecionismo estrito da Índia e da Indonésia estão a influenciar os contextos de regulação em vários países asiáticos, o que poderá indicar uma evolução para regimes de protecionismo mais restritivos num futuro imediato. 


Por Phillip K. Schulz (Senior Legal Counsel na Hannover RE) e Shivaun Moreno (Senior Legal Counsel na Hannover RE)


1 ART – Soluções alternativas de risco
Descubra o mundo MDS