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O desafio da longevidade

Longevidade é uma das primeiras palavras que vêm à mente quando abordamos os desafios do sistema de saúde. Isso acontece por conta de diversos aspectos, mas principalmente pelo próprio envelhecimento da população. Se eu tivesse nascido na década de 1940, já estaria no meu ciclo final de vida. Mas, graças à combinação de avanços científicos e sociais, a expectativa de vida do brasileiro cresceu 30 anos nas últimas sete décadas, alcançando hoje quase 76 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Por Mario Saddy, AMIL

O desafio da longevidade
Embora essa seja uma média, a geração que vai viver mais de 100 anos já nasceu. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, em 2100, o mundo terá 21 milhões de centenários e que o Brasil aumentará sua população de idosos com mais de 100 anos em 110 vezes, para mais de 1,5 milhão de pessoas. 

Em 1930, as doenças infeciosas prevaleciam como a primeira causa de morte em todas as regiões brasileiras. Desde então, a mudança do perfil epidemiológico no País é evidente.

Atualmente, as principais causas de morte no Brasil já são as doenças não transmissíveis, com destaque para os problemas cardiovasculares, os diversos tipos de câncer, o diabetes, as doenças respiratórias e do aparelho digestivo.

Nesse cenário, o desenvolvimento tecnológico e de novos medicamentos, além de investimentos em infraestrutura urbana e comunicação, será essencial para que as pessoas cheguem à velhice mais saudáveis – especialmente diante de um mundo cada vez mais conectado e sujeito às fake news.

Indiscutível avanço, o envelhecimento da população traz desafios importantíssimos para a manutenção da sua qualidade de vida. A sustentabilidade dos sistemas de saúde é um deles. Diante de um mercado com desperdícios evidentes, incorporações tecnológicas sem análises de custo‑efetividade na cobertura dos planos de saúde e resultados clínicos não tão favoráveis, é tempo de mudança de paradigmas.

Os modelos de assistência estão em voga. Levou‑se décadas para que fosse instituído no Brasil um modelo centrado no tratamento de doenças e mais alguns anos para se perceber que essa não é a forma ideal de cuidar da saúde das pessoas.

Um dia diremos que houve um tempo em que as pessoas realizavam dezenas de exames e consultavam dezenas de especialistas de forma descoordenada, o que não fazia sentido algum. Enquanto isso não acontece, alguns atores da saúde suplementar brasileira resolveram tomar a dianteira na missão de trazer a tradicional atenção primária para o core da saúde privada.

Apresentados em 1978 na Conferência Internacional da OMS de Alma‑Ata, os "cuidados primários de saúde” não são novidade, mas, no Brasil, principalmente na iniciativa privada, isso ocorre por meio de ações isoladas.

Enquanto 67% da população brasileira é atendida pelo programa público de saúde da família, essa taxa é de apenas 25% no setor privado.

É consenso que investir na coordenação do cuidado é uma das medidas aplicáveis para fomentar a sustentabilidade do setor. No  entanto, para que o modelo dê certo, o engajamento do paciente é fundamental, começando pelo entendimento do modelo até o alcance do vínculo com o médico de família. Ele também deve entender a importância do acompanhamento regular da saúde e da mudança de hábitos frequentes, como idas desnecessárias ao pronto‑socorro.

Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 80% dos casos atendidos em consultório por médicos de família são resolvidos sem a necessidade de encaminhamento para outros especialistas.

Além da reestruturação dos modelos de assistência, a equação para manterum mercado sustentável engloba questões como os desperdícios em saúde, a forma de financiamento dos sistemas, a eficiência operacional,a transparência e os modelos de remuneração a hospitais.

Hoje, a maior parte dos gastos dos planos de saúde advém das internações hospitalares de seus beneficiários. Projeções do IESS apontam que, em 2030, essa conta deve chegar a R$ 260,3 bilhões – o equivalente a 65% das despesas do setor, financiadas pelos próprios consumidores.

Atualmente, a remuneração aos hospitais pelos serviços prestados segue um racional simples: o pagamento por procedimento realizado.

Na prática, quanto mais tomografias, ressonâncias, raios X e dias internados, maior o valora ser pago pelos planos e mais os hospitais recebem. Entretanto, esse modelo (fee for service), que funcionou assim por décadas, já está esgotado, estimulando o desperdício.

Segundo o IESS, as consultas e os exames médicos desnecessários representaram, em 2017, um gasto de R$ 28 bilhões aos planos de saúde brasileiros.

Há um crescente reconhecimento de que os modelos de pagamento para a saúde suplementar no Brasil precisam focar na entrega de valor – uma realidade ainda incipiente na saúde suplementar brasileira.
Mas algo já está mudando.

Um dos principais hospitais do País, o Sirio‑Libanes,  assinou recentemente contrato com a Amil, uma das maiores  operadoras de saúde brasileiras, com 6,1 milhões de clientes, para adotar um modelo de remuneração fixo por mês, baseado no histórico de frequência e complexidade dos serviços prestados
a seus beneficiários.

Esse valor é ajustado periodicamente de acordocom dez indicadores clínicos, que vão desde o número de complicações durante as internações, passando pelo tempo médio de estada dos pacientes no hospital, até o índice geral de satisfação dos clientes indicado por pesquisas de opinião.

A implementação de modelos alternativos requer investimentos no desenvolvimento de indicadores e na integração de sistemas tecnológicos, além de longas negociações. Não é tarefa fácil, mas o Brasil não pode ignorar essa tendência, já adotada em países como Suécia, Estados Unidos e Alemanha. 

São muitos os desafios que a longevidade impõe ao sistema de saúde, e nenhum deles é trivial. Já sabemos que viveremos muito. A dúvida é se viveremos com ou sem planos de saúde. Essa resposta dependerá da iniciativa e mobilização que veremos nos próximos anos de operadoras, hospitais, clientes, médicos e todos os demais atores que atuam neste complexo setor que é a saúde suplementar.

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